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Rumo ao Tibete

O trem, após vencer as planícies, rasgava os arrozais em marcha regular. A próxima parada seria somente em Gaya. Os rebanhos, agora raros, buscavam pastos mais tenros. Alef acabara de comer o sanduíche de pão de centeio que Isis, sua companheira de viagem, lhe havia ofertado.

Isis nascera em Coimbra, Portugal. O pai era lente na Faculdade de Direito da famosa Universidade. Seu destino era Agra. Nesta cidade ela encontraria o Lama Dawa Kazi. O Lama a guiaria, juntamente com outros dois espanhóis que lá já se encontravam, até o Tibete. Isis faria exatamente o mesmo caminho que sua avó, primeira mulher estrangeira a penetrar na Cidade Proibida, Lhassa, há cinqüenta anos fizera.

– Por que não te juntas a nós? – esta era Isis.

Ante o silêncio de Alef, a jovem provocou:

– Será uma experiência inesquecível! Não irás te arrepender!

– Quanto a isso, tenho certeza! A questão é bem outra…

– Tempo?

Alef mostrava-se uma vez mais hesitante:

– Não… tempo não é o problema… A questão é “caixa” para fazer frente a essa aventura e poder, ainda, voltar ao Brasil…
Isis firmou as mãos de Alef entre as suas. Com a mesma firmeza e determinação fixou seu olhar em Alef:

– Não te preocupa com dinheiro. Terás, sim, mais do que o suficiente para a nossa peregrinação e, após, poder voltar para o teu país.

Um outro trem atravessava as planícies de Bengala, aos pés dos Montes Himalaia, ingressando, assim, em solo nepalês. Era o início de mais um inverno. A chuva fina e persistente cobria a paisagem. Alef, Isis, o Lama Dawa Kazi, Juan Jose e Plácido, os dois espanhóis, encontravam-se no vagão-restaurante. Bebiam um aromático e reconfortante chá. O Lama narrava-lhe suas aventuras quando jovem, na China e no Nepal, como foram os seus dias no mosteiro budista em Ladak, onde passara um longo período de recolhimento espiritual.

– Muitos dos ensinamentos dos nossos antigos mestres e sábios – este era o Lama Dawa Kazi –  chegaram ao Ocidente da forma mais deturpada. Atribui-se às péssimas traduções e à má vontade dos homens, daí os exageros que se cometem no Ocidente em nome da milenar ciência oriental.

Isis ia retrucar quando, vinda de uma mesa próxima, ouviu-se a voz suave da esposa de um Rajá que viajava num dos vagões de primeira classe. A mulher, acompanhando-se ao alaúde indiano, entoava uma canção no idioma bengali.
Finda a canção, Juan Jose quis saber de quem eram aquelas músicas. O Rajá ergueu-se de sua poltrona e dirigindo-se ao espanhol perguntou:

– O jovem senhor não conhece esses textos dos nossos Upanishads?

Nenhum dos quatro jovens estrangeiros soubera responder.

– Upanishads – continuou o Rajá – é uma palavra sânscrita, significa a conquista da inteligência dominando a ignorância. São escrituras santas que fazem parte das antigas tradições védicas. E o Lama Kazi traduziu o que fora cantado pela Marani.
Faltavam poucas horas para chegarem a Gangtok, para aqueles viajantes, a porta de entrada do Tibete.

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