O sonho não acabou
Hoje, entendo o comportamento extremamente exaltado e, não poucas vezes, agressivo e revoltado de alguns poucos abnegados mentores da cultura local. Dedicar-se a essa “bastardinha” – no pensar dos agentes da política empresarial-eleitoreira – é “coisinha” de intelectual que não “pensa grande”.
Sim, se “pensar grande” é sinônimo apenas de “mega-eventos”(?), então, realmente, não há por que lutar pela cultura. Onde a secretaria que deveria ser a mais interessada em seu desenvolvimento e acessibilidade para toda a comunidade entende que a apresentação de peças teatrais com atores globais traz mais “luzes ao povo”, em detrimento de grupos locais, e que as faces lambuzadas com um mega-chocolate é mais prazeroso que a leitura de um bom livro, só nos resta, mesmo, é congelar as idéias com um mega-sorvete.
Encerrou-se a 2ª Feira do Livro de Capão da Canoa. Ela aconteceu e teve brilho próprio, desvinculada de eventos outros que não o culto ao livro, pois que concebida e gerada com este fim desde maio do ano anterior, por sua Comissão Organizadora. A Feira foi vitoriosa, afinal, graças unicamente aos membros daquela Comissão, pela forma criativa e extremamente dedicada que tiveram em formatar os eventos e a lista de escritores convidados, dentre os quais Moacyr Scliar, membro da Academia Brasileira de Letras. O mínimo que o poder público municipal daquele município terá que, forçosamente e como forma de exercer o seu confiteor (oração com a qual os católicos iniciam a confissão), fazer é afixar no hall da Casa de Cultura Érico Veríssimo uma placa com os nomes de seus organizadores, como indelével reconhecimento pelo que fizeram em prol da comunidade.
Nem mesmo a má-vontade de “burrocratas” municipais (poucos, é verdade), ocupantes, no entanto, de funções estratégicas conseguiram alterar o destino de sucesso a que estava fadada a Feira. Os visitantes e os veranistas que aqui estiveram nos dias feriados acorreram em grande número, confirmados, sobretudo, pelo volume das vendas. As escolas compareceram aos eventos agendados. Há, não obstante, quem pergunte: a comunidade, os que aqui residem, compareceram?
Não foi por falta de divulgação na mídia, aquela que verdadeiramente adotou a Feira, e por outros meios de divulgação como os fôlderes e cartazes. Se pensarmos que o staff(?) do executivo municipal, do legislativo, os profissionais liberais, como muitos expressivos advogados, não se fizeram presentes, como exigir de segmentos menos aquinhoados da sociedade?
Com o encerramento da 2ª Feira do Livro de Capão da Canoa, desfaz-se sua Comissão Organizadora. No entanto, a Feira, como projeto futuro, não pode morrer. Foram dez meses de dedicação de realizar, este sim, não um mega, porém um perene, salutar e construtivo evento, onde ao fim e ao cabo, tudo parecia conspirar negativamente às suas aspirações. Iludiram-se os que pensaram em “puxar o tapete”. Esqueceram, no entanto, que, aos que estão sob a proteção de Atena (Deusa da guerra justa, da sabedoria, das artes, da estratégia e ofícios), nada os demove. E a torrencial chuva que desabou, exatamente nos instantes finais, foi para purificar a alma e confirmar, nas palavras de Fernando Pessoa, que tudo valerá a pena, se a alma não for pequena.
Quanto a nós, professora Valéria de Oliveira – a grande, incansável e imbatível timoneira -, Joaninha S. P. Dias, Patrícia de Souza Cerezer, Madalena Rolin, Mariza Simon dos Santos e este articulista, só nos resta a certeza de que fomos ousados e de que teremos uma bela e transparente história para contar a nossos filhos e netos.