Colunistas

A falta que ela também me faz

Quem há de me esperar todas as noites a cada volta minha dos botequins, em que trago nos bolsos guardanapos com o esboço de mais um poema?

Quem há de, ao pressentir meus passos, e com a cumplicidade de parceira desejar saber como foi o meu dia?

Quem há de esquecer as mágoas e as tristezas que esta ausência lhe causa e fazer de conta que a solidão não se fez sentir?

Quem há de enxugar meu pranto, acolher minhas mágoas e ressentimentos?

Quem, altiva aos meus caprichos, há de se negar a me ouvir, se eu insistir no pessimismo e no amargor de encarar os fatos?

Quem há de, em vívida expectativa, consentir que eu lhe toque suavemente o corpo inteiro, como se à procura da nota certa que desencadeará a mais louca das sinfonias?

Quem há de, na madrugada, despertar receosa ante os desvarios de um noctívago e, mesmo assustada, se deixar possuir, doida e cegamente, até que as energias opressoras sejam despojadas?

Quem há de me acalantar a cada amanhecer indormido, ante as incertezas dos meus sonhos?

Quem, resoluta, há de dar um basta aos meus enganos, meus sentimentos de perda e às crises depressivas?

Foram tantos anos – tempo em que juntos lutamos, sofremos, rimos, choramos, comemos o pão que o diabo amassou. Vencemos, algumas vezes. Fomos derrotados, outras tantas. Amamos, brigamos e saímos ressentidos um com o outro. Orgulhamo-nos de tudo que criamos. Foram muitos os vínculos que nos uniram; tantas as marcas que ficaram de cada relação.

Hoje, ela não mais está comigo. Cansou-se. Culpa, quem sabe, da minha insensatez. Restaram a imensa e dolorida saudade e – ela sabe – o vazio que a sua ausência me causa.

Já me encontro em nova companhia: O MacBook Air, quase tão fino quanto um dedo indicador; simplificado em todos os detalhes possíveis; um monitor LED de ecrã panorâmico de 13,3 polegadas, um teclado completo e trackpad táctil grande. Suas dimensões, por serem menores, não permitem que as mãos acariciem seu corpo com a mesma destreza e intimidade de dantes. Frio, silencioso. Dotado de tecnologia de última geração. Não terá rompantes, tampouco será temperamental. Não restará uma letra, uma vírgula, um ponto extraviado em meio à oração. Corretivo instantâneo, dicionário, memória e arquivo, virtudes que a minha antiga Studio 70 não possui, mas, nem por isso, deixou de me acompanhar por um longo tempo de minha vida.

A partir de hoje, tenho que me adaptar ao meu novo, frio e calculista MacBook Air, sob pena de ser um analfabeto a mais neste milênio tão virtual e morrer de desespero por nada mais poder dizer, ainda que apenas palavras de saudades da minha velha Olivetti.

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