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Sobre retratos e imortais

Em 1995, recém egresso da Oficina de Criação Literária do Instituto de Letras da Pontifícia Universidade Católica, ministrada pelo escritor Luiz Antonio de Assis Brasil, programei uma ida à Academia Brasileira de Letras. Ela está localizada na Avenida Presidente Wilson, no centro do Rio de Janeiro, num prédio, réplica do Petit Trianon de Versailles, doado pelo governo francês. Naquele pequeno palácio ocorre a celebração maior da literatura brasileira: o encontro dos imortais acadêmicos.

Descobri, não longe dali, um pequeno, no entanto único, estúdio fotográfico. Nele havia um painel, com a foto, em tamanho natural, de dois acadêmicos, solenemente engalanados em seus fardões, sem os seus rostos, espaços estes a serem preenchidos, respectivamente, um pelo próprio cliente e, no outro, afixava-se a estampa do acadêmico escolhido pelo fotografado. O retrato, caprichoso, dava autenticidade ao “encontro”. Impossível lembrar os trinta e nove imortais à época. Acodem-me à memória os nomes de Carlos Nejar, Rachel de Queiroz, Barbosa Lima Sobrinho, Darcy Ribeiro (imortal por mim escolhido), Lygia Fagundes Telles, Antonio Houaiss, Dias Gomes, Roberto Marinho, Jorge Amado, Afonso Arinos de Melo Franco, e Nélida Piñon.

Mais tarde, mostrei aos amigos o retrato. Claro que eles sabiam que o imortal não esteve unicamente à minha disposição, numa tórrida tarde de verão, para sermos fotografados. Mas era o gosto da saudável e despretenciosa brincadeira.

Quando me mudei para Capão da Canoa, levei algum tempo para contabilizar as perdas pelo caminho. Foram algumas caixas contendo livros, cartões-postais e cadernos que ficaram esquecidos nos fundos do caminhão da transportadora. Naquele emaranhado de lembranças, foi-se a minha fotografia “com” o imortal.

Penso, neste momento, nos nossos vizinhos do Estado de Santa Catarina que, lenta e dolorosamente, iniciam a (re)construção de suas vidas. Perderam-se pessoas. Mais de uma centena. Perdeu-se todo um patrimônio de uma vida inteira: a casa e, até mesmo o terreno em que aquela casa, algum dia, fora erguida. Perdeu-se, sobretudo, a memória. Porque quem perde os retratos de seus antepassados perde, ao fim e ao cabo, sua própria história.

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