Colunistas

Mozart e Jackson

A enorme repercussão da morte de Michael Jackson e sua conturbada vida pessoal me levaram a escrever algumas linhas e considerações sobre duas histórias semelhantes, ocorridas em tempos distintos, mas muito significativas, de dois gênios da música.
 
MOZART (1756-1791)
Johann Wolfgang Amadeus Mozart é um dos mais conhecidos, e admirados, compositores clássicos e todos os tempos. Nascido em Salzburg, na Áustria, era filho de Leopold Mozart músico da corte de Salzburg, um pequeno estado semi-independente do Império Austríaco, e também um pai dominador e obstinado a enriquecer com o sucesso de seus dois filhos – dos sete que ele teve cinco não chegaram a idade adulta.
 
Maria Anna Walburga Ignatia, ou Nannerl, como era chamada em família, foi a quarta a nascer e desde cedo Leopold viu na pequena menina talento suficiente para que ela fosse mais do que ele mesmo era. Era a chance de triunfar, ou seja enriquecer, em uma época que os músicos ainda dependiam extremamente da aristocracia e da nobreza para sobreviverem.
Nannerl recebeu então estimada educação musical tendo já aos nove anos iniciado os estudos do cravo (o piano da época). Mas cinco anos após o nascimento de Nannerl veio ao mundo o menino destinado a dar imortalidade ao sobrenome Mozart.
 
Wolfgang Amadeus Mozart nasceu em 1756 e desde a mais tenra idade demonstrou uma enorme aptidão musical, superando em muito a irmã mais velha. Tinha o que se chama de “ouvido absoluto”, a capacidade de identificar uma nota musical em qualquer som. Mozart já tocava violino aos quatro e compôs uma ópera inteira antes dos doze anos. Um gênio e também uma mina de ouro nas mãos de seu pai.
 
Leopold Mozart tinha em casa dois prodígios e não poupou esforços para apresentá-los à corte europeia, a nobreza em geral e até ao Papa no Vaticano. Viajou a Europa inteira com os filhos, que se apresentavam de cidade em cidade e em cada oportunidade possível. Inúmeras vezes as crianças estiveram perto da morte. Sobrecarregadas pelas apresentações e fragilizadas pelas intermináveis horas de estudo ao cravo e violino.
 

Com o tempo, no entanto, Mozart desfez a dupla, ele havia suplantado, e muito, a irmã que, com o tempo, desapareceu do cenário musical.  Sua obra se tornou imortal. Mesmo os que não conhecem seu nome ou música já ouviram, pelo menos uma vez, partes de sua obra. Impossível reproduzir aqui os sons, mas com certeza você já ouviu, ao menos um trecho, de La nozze di Fígaro, Don Giovanni, Cosi fant tutte ou Eine kleine Nachmusik, está última uma serenata composta em 1787 e até hoje muito executada e utilizada em propagandas de TV, assim como a ópera Die Zauberflöte (A Flauta Mágica) que o cantor Edison Cordeiro popularizou no Brasil cantando uma de suas árias (A rainha da Noite).

 
Mas Mozart não obteve a mesma maturidade na vida pessoal quanto teve na vida musical ao longo de seus 36 anos de existência e 636 obras compostas. O Mozart adulto se transformou em um adulto problemático, e com distúrbios emocionais. Se o músico, ou o personagem que ele havia criado durante a infância, que ele jamais viveu, era excepcional sendo capaz de compor obras de inigualável beleza, na vida pessoal Mozart foi um trapalhão, temperamental, de comportamento quase infantil.
 
Mesmo tendo tocado e composto obras para quase toda a nobreza europeia morreu na miséria, cercado por poucos amigos, sepultado em uma vala comum em Viena. Sua vida sem infância, que lhe fora retirada pelo pai dominador e os compromissos musicais, não proporcionou ao Mozart, como indivíduo, maturidade suficiente para lidar com as situações que o sucesso e o dinheiro lhe haviam proporcionado.
 
Suas cartas – escrevia tanto quanto compunha – estão ainda guardadas no Mozart Museum, em Salzburg. Revelam uma personalidade interessante, rica, intensa, mas também depressiva, melancólica e muitas vezes infantil.
 
Alguma semelhança como o astro pop Michael Jackson?
 
JACKSON (1958-2009)
Durante as duas últimas semanas, tudo sobre Jackson já foi escrito ou dito, seja em jornais, internet ou TV. Então tudo que eu escrever aqui será mera repetição. Falar sobre Ben, Beat It, Billie Jean, Moonwalk, We are the World ou Thriller é desnecessário. O que eu gostaria de trazer aqui são as reflexões sobre o homem Michael Jackson.
 
ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
Logo que se iniciaram na TV os programas que relembravam a carreira do cantor eu fiz associações com Mozart. Não a música, que é própria de cada um, mas de como o personagem, a máscara, que cada um criou para si eliminou o ser humano que havia dentro deles. Uma máscara criada por Mozart aos cinco e por Jackson aos onze anos.
 
Alguns diriam que isso faz parte, é o preço do sucesso. Mas será que o podemos exigir de alguém que troque sua vida, seu amadurecimento enquanto indivíduo, pelo “preço do sucesso”? Claro, ele próprio buscou o sucesso e o sucesso foi consequência de seu talento. Mas essa busca incessante é extremamente natural para quem nasce em uma sociedade que explora justamente o que não precisamos para viver, o estrelato. Alguns indivíduos sequer notam essa obsessão por dinheiro e fama, justamente porque existem aqueles que vivem da exploração. Os mesmos empresários que haviam abandonado o astro depois dos escândalos na última década retornaram agora para faturar sobre o mito que ele se transformou e o que ele ainda depois de morto pode vender. É de se perguntar hoje o quanto de verdade havia nos escândalos de pedofilia e o quanto havia de sensacionalismo. Uma coisa é certa havia, e muito, dinheiro envolvido.
 
E o sucesso, o mesmo que muitos almejam, com certeza não lhe trouxe felicidade. E Jackson sabia disso, ele escreveu sobre isso, ele cantou isso. Jackson era uma criança brincando de adulto, dentro do personagem que ele criou na infância e do qual jamais soube, ou conseguiu, se separar, ou porque não pôde ou porque não quis. Leopold Mozart, que vestia o filho de “homenzinho” aos cinco anos para os concertos nos castelos da nobreza no século XVIII foi imitado por Joseph B. Jackson que explorou os filhos como se mercadoria fossem, no século XXI. E contra o Jackson pai ainda recaem as acusações de abuso sexual, o que em parte também ajuda na compreensão do que Michael foi enquanto adulto.
 
Jackson, assim como Mozart, também foi um adulto problemático, traumático até, com uma constante necessidade de ser criança quando já não era mais tempo de ser criança. Neverland é a prova física disso. Ele tentava ser o que nunca pôde ser. No íntimo era alguém doente, nem de perto o personagem que encantava nos palcos.
 
Quantos pais hoje são como os pais de Mozart e Jackson? Desejam para os filhos o que eles não conseguiram atingir, sonhos que eles não alcançaram. Jogadores de futebol, modelos, astros da música, tudo o que o momento e a moda exigirem. A moda que também é um agente do capital, influenciando e distorcendo valores. A mulher “rechonchuda” do começo do século passado é hoje a magérrima modelo que nenhum homem admira, mas que alguém disse que sim. É em nome dessa beleza física, e ao mesmo tempo abstrata, e dessa fama e dinheiro ilimitado que pais agem como agiram Leopold Mozart e Joe Jackson e como agem milhões de pessoas que valorizam o que não somos e o que não precisamos para viver.
 

Infelizmente o capitalismo ainda cai como uma “noite de terror” sobre a humanidade, “Because this is thriller, thriller night, And no one’s gonna save you, From the beast about to strike, You know it’s thriller, thriller night, You’re fighting for your life, Inside killer, Thriller tonight, yeah” *  (Thriller, de Michael Jackson).

 

A esperança reside no fato de que “There comes a time when we hear a certain call, When the world must come together as one, There are people dying, Oh, and it's time to lend a hand to life, The greatest gift of all, We can't go on pretending day by Day,
That someone, somewhere will soon make a change, We're all a part of God's great big family, And the truth you know love is all we need”
**  (We are the World, de Michael Jackson).

 

Esses são apenas dois exemplos do que Jackson deixou para a humanidade. Algumas músicas com significados explícitos, outros nem tanto, talvez com um significado que só ele poderia compreender dentro de um mundo que era só dele.

*  Porque isso é terror, noite de terror
E ninguém vai te salvar
Da besta pronta para atacar
Você sabe que é terror, noite de terror
Você está lutando por sua vida
Numa noite assassina de terror

**  Chega um momento, quando ouvimos uma certa chamada
Quando o mundo tem que vir junto como um só
Há pessoas morrendo
E está na hora de dar uma mão a vida
O maior presente de todos
Nós não podemos continuar fingindo todos os dias
Que alguém, em algum lugar irá mudar
Todos nós somos parte da grande família de Deus
É a verdade
Você sabe que o amor é tudo que nós precisamos

Comentários

Comentários