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Contemplando os temporais…

No dia cinco de outubro, em  Capão Novo amanheceu o dia, com um sol radioso, muito claro e muito quente. E permaneceu assim por todo o dia.

Mas ao fim da tarde o céu se cobriu de nuvens prenunciando um temporal. Que, efetivamente, se derramou pelo litoral atingindo e causando estragos  em todo o estado, principalmente, na Capital.

A imagem, grandiosa deste fenomeno da natureza , me reporta aos meus tempos de guri, morador da Pampa Gaúcha, para ser mais preciso no local chamado Itapevi, entre Cacequí  e Rosário do Sul.

Naquele tempo, tanto nos mormaços quanto nas invernias aconteciam temporais incríveis.

Tudo limpo, o pampa se confundia com o céu nos locais onde os dois se encontrando,  traçavam a linha do horizonte.

E, de repente, tudo escurecia e  uma enormidade de nuvens pretas, cobriam o céu azul.

Nós não conhecíamos o mar. Nossa mãe dizia que o mar e o céu eram iguais, da mesma cor. Só que o mar tinha fronteiras e o céu era infinito.

E logo após a misteriosa aparição das nuvens desandava um temporal, com   chuva forte, de granizo, de água,   trovoadas e raios, que lá na fronteira a gente chama de mandados.

E  a força da natureza, se mantinha implacável por uma manhã ou por uma tarde.Sem que nada pudesse ser feito, para interrompe-la.

Antes  que a  tempestade acontecesse  minha  mãe pegava um machado de cortar lenha e ia para um oitão da casa e começava a “benzer” o temporal. Nós crescemos  acreditando que a benzedura da mãe, se  não o impedisse,  protegeria a nossa casa, os nossos animais e nós próprios.

Nestas horas,  cobriam-se os espelhos com lençóis escuros, de preferência, para evitar que o “ aço “ dos  mesmos, atraísse um mandado que, se caísse dentro de casa, seria um desastre.

Rezava-se a oração de Santa Bárbara e se acendia  “ palma Cristi “  cuja fumaça invadia todos os cômodos da casa.

E ficava toda a família quieta e junta. No silencio.  No máximo se ia a cozinha recompor o chimarrão que era servido, e não se ouvia nem o roncar da cuia, abafado que era o seu som, pelas trovoadas e pelos raios que se despencavam do céu caindo na terra ou em algum pé de corticeira, cinamomo ou arueira, tirando-lhes lascas enormes ou até mesmo derrubando-os.

As vacas,  cavalos,  ovelhas,  galinhas, cachorros,  gatos e até porcos parece que ouviam as rezas de minha mãe  e que  sentiam a fumaça da “ palma cristi “ queimando e, também, se juntavam em grupos, por espécie, ficando todos muito quietos. Não se ouvia qualquer som partido deles.

Tudo era silencio na imensidão do pampa.

Que tempo…..! Que cenas e que saudade!!!

A gente cresce e carrega sempre, consigo, a criança que um dia fomos….

Vendo  o temporal, de hoje, me dou conta que  encontrei, há muito tempo, saída para eles, tanto  para os de chuvas, trovões e mandados, quanto para os de todas as ordens de calamidades  que somos acometidos, em nossa vida. Nem é bom falar, para  não atrair reincidências…!

A receita sempre existiu e continua a mesma. A mesma que eu e meus irmãos aprendemos, na solidão de um rancho na pampa gaúcha, junto com meu pai, minha mãe e com nossos animais de casa e campo.

E agora, já estou meio mouro prateado, não tão  altaneiro e rápido,  mas  com grande prática, de estradas e temporais, o que me resguarda de enfiar as patas em buracos de tuco-tuco acredito, com certeza, é a receita aprendida quando guri:

A receita é Silencio, Crença e União.

Silêncio, para entendermos tudo o  que está se  passando e  para compreendermos  a natureza do temporal ou da crise e no silencio de nós mesmos, entender a necessidade de que existam  nuvens escuras, chuvas,  trovões e  mandados para que, depois, possamos nos deslumbrar com o céu claro e com o sol…

Crença, para  não perdermos as esperanças que nos levam a constatar que, na vida, tudo é transitório e que tanto o bem quanto o mal tem, cada um o seu tempo de existir e que se sucedem, como as batidas de um coração apaixonado…

União  para, juntos, suportarmos  o paradoxo  de vermos  o dia se transformar em noite, e desabarem sobre nós chuva de água ou de pedras, e ouvirmos os estrondosos trovões e  vermos a assustadora força dos raios ou dos mandados e continuarmos imperturbáveis…

Mas união, principalmente para comemorarmos o fim do temporal, com um chimarrão novo e bem quente ao redor de um fogão de cozinha ou de um  braseiro de chão, feito com  a lenha que os mandados derrubaram…

E, é claro, durante o temporal, mesmo que não seja de chuva ou de pedras, devemos rezar para Santa Bárbara, esperando que ela faça-o  passar.

Mas não podemos esquecer  de fazer a nossa parte, cobrindo o brilho dos nossos  “espelhos e  metais”, evitando, assim, que o “aço“ deles atraia  forças de tal maneira fortes e destruidoras, como se fossem  produzidas por raios ou mandados… como se diz lá na Pampa.

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