Desagravo às pernas grossas das mulheres
De música, luar e sentimento
E que a vida não quer, de tão perfeita.
Uma mulher que é como a própria Lua:
Tão linda que só espalha sofrimento
Tão cheia de pudor que vive nua.”
“Soneto do Corifeu” – Vinicius de Morais.
Ser top model – hoje meninas de doze anos já estão no set internacional –, à exceção de uma Luiza Brunet, é conformar-se em ver a carreira encerrada aos trinta e cinco anos. Para ingressar e, sobretudo, permanecer nesse seleto universo dos holofotes das passarelas internacionais e dos grandes estúdios fotográficos, onde imperam Kate Moss, Heidi Klum, e as brasileiras Adriana Lima, Alessandra Ambrósio e Gisele Bündchen (apenas para citar exatamente as cinco mais bem pagas do mundo) submetem-se essas anoréxicas mulheres a uma servidão alimentar escravagista, ostentando, sim, em contrapartida, contas bancárias na casa dos dez dígitos. Estarão me perguntando os generosos leitores: por que comento sobre este assunto?
Um amigo perguntou-me se eu lera, na edição de ZH do dia 25 de janeiro último, a coluna do conhecido e megalômano articulista da penúltima página, intitulada Epidemia de pernas grossas? Mais não preciso dizer, pois neste exato momento em que escrevo esta crônica, entra no site do Litoralmania artigo da lavra da Dani Weiand tratando do mesmo assunto.
Respondi ao meu camarada, naquela ocasião, que me reservo o direito de, nos últimos tempos, não mais ler o “gênio idiota” (como o próprio, dublê de soberba e falsa humildade, se autodenomina), mas faria, naquele dia, uma exceção.
O que li, confesso, foi uma personalista e grosseira aversão às mulheres de pernas grossas. Se o megalômano, por ausência de assunto outro, intentou suscitar polêmica, conseguiu seus objetivos, ainda que detratasse as mulheres anatomicamente opostas às Bündchen, Moss, Ambrósio e companhia.
Não bastasse o título, “Epidemia…”, que o Novo Dicionário Aurélio define como “doença que surge rápida num lugar e acomete simultaneamente grande número de pessoas; surto de agravação de uma endemia” inclui no rol das coxas grossas a atriz Juliana Paes e a apresentadora Patrícia Poeta. Diz, ainda, o verborrágico colunista que “a avalancha de pernas grossas está repercutindo num silencioso repúdio da classe masculina…”. Se silencioso, como pode ele arvorar-se deste conhecimento? E mais: “Não é isto que nós, homens, queremos”. Como ousa o dito falar em meu nome se não lhe conferi outorga para tanto manifestar-se?
Não bastassem as denominações a que algumas, poucas, é verdade, se submetem em ser conhecidas – Mulher Melancia, Mulher Moranguinho, Mulher Camarão, Mulher Bacalhau, e por aí vai – permite-se, agora, que um anatômico chauvinista venha detratar as pernas grossas das mulheres? Alto lá!
Faço, pois, loas ao corpo das gordas, das magras, das baixinhas, das altas, das esbeltas ou não, das mulheres de pernas finas, das mulheres de grossas coxas. Faço odes ao Grande Arquiteto que concedeu somente a elas a graça e a beleza de serem, simplesmente mulheres.
Por isso, mulher e generosa leitora, o mínimo que me cabe fazer é te trazer de volta ao pedestal onde efetivamente é o teu lugar, se não com palavras e encantos meus – que talento tanto não os tenho -, mas com todo o sentimento e louvores nos versos* do imortal Poetinha.
“Se por acaso o amor me agarrar
Quero uma loira pá namorar
Corpo bem feito, magro e perfeito
E o azul do céu no olhar
Quero também que saiba dançar
Que seja clara como o luar
Se isso se der
Posso dizer que amo uma mulher
Mas se uma loura eu não encontrar
Uma morena é o tom
Uma pequena, linda morena
Meu Deus, que bom
Uma morena era o ideal
Mas a loirinha não era mau
Cabelo louro vale um tesouro
É um tipo fenomenal
Cabelos negros têm seu lugar
Pele morena convida a amar
Que vou fazer?
Ah, eu não sei como é que vai ser…
Olho as mulheres, que desespero
Que desespero de amor
É a loirinha, é a moreninha
Meu Deus, que horror!
Se da morena vou me lembrar
Logo na loura fico a pensar
Louras, morenas
Eu quero apenas a todas glorificar
Sou bem constante no amor leal
Louras, morenas, sois o ideal
Haja o que houver
Eu amo em todas somente a mulher”.
* “Loura e morena” – Vinicius de Morais