Delalves Costa, um poeta a afrontar a enfinge VIII
DOMINGO À TARDE
Espreguiçar dourado… Branco bocejo… Noturno, face a face.
Na bagunça do tempo
– O recesso das horas…
Insólita…a mesmice
Colorindo a tarde de tédio…
O ouro do sol empobrece,
O alvo do dia escurece.
O negro da noite enriquece.
Na praça… Monótono…
Um domingo cinza
– Vestindo segunda-feira
Passeia… depressivo.
O autor com maestria consegue pintar, aqui usando cores, o que a maioria das pessoas, de um modo ou de outro, sente e reclama nos domingos à tarde.
Na bagunça do tempo – O recesso das horas… Insólita… a mesmice. Aqui é possível uma divagação pelo som da palavra: o substantivo recesso, que aqui está significando as horas disponíveis, mas com a insólita mesmice, traz ao ouvido o adjetivo ressesso, que significa seco e com mau gosto, (ao se referir a pão). Teríamos um recesso ressesso.
Óbvio que não estamos afirmando que o autor pensou nesta palavra ao escrever o seu poema. Nossa intenção é apenas demonstrar como um poema é sugestivo, como pode levar o leitor para novos caminhos…
O autor já declara no verso seguinte: o recesso das horas colore a tarde de tédio, até o ouro do sol empobrece e a noite vem inexorável, esta sim enriquecida pelo seu negror.
E aqui o autor vale-se de uma metonímia, onde um domingo cinza passeia na praça, monótono, vestindo-se de segunda-feira. O eterno problema de todos nós, um truísmo dos mais simples, mas que não há como escapar: o domingo à tarde, salvo para as raras pessoas que sabem viver o momento presente, a maioria já perturbada pela lembrança dos compromissos que logo deverão enfrentar, o que os faz depressivos, ao invés de felizes, a desfrutar o recesso das horas…
Não podemos esquecer aqueles que têm depressão por de repente estarem com um momento de ócio disponível, e, após um culto religioso, alguma visita, sentem-se extremamente deprimidos em não saber em como matar o tempo, esperando com ansiedade pela segunda-feira, a volta da rotina casa-trabalho, trabalho-casa.