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O primeiro dia do resto de nossas vidas

Para Cláudio Mello e Maria Isabel Timm, com admiração.

Na noite de sábado, 24 de setembro de 1966, embalados pelos acordes vibrantes de Got to Get You into My Life, da solidão lúgubre de Eleanor Rigby, ao experimentalismo psicodélico de Tomorrow Never Knows advindos da eletrola que rodava o LP Revolver, dos Beatles, os dois já marcavam o primeiro encontro, na tarde de domingo, para assistirem ao clássico do cineasta italiano Michelangelo Antonioni, Blow-Up – Depois Daquele Beijo. Talvez ignorassem, ainda, que a madrugada do dia anterior entraria para a história como “O massacre da Praia Vermelha”.

A Polícia Militar do Rio de Janeiro passara de todos os limites e reprimira com violência exagerada os protestos estudantis. Era o começo de uma barbárie que culminaria na promulgação do AI-5. Após o protesto, 600 estudantes se abrigaram na Faculdade Nacional de Medicina (FNM) sendo encurralados pela Polícia Militar que, antes do fim das negociações da retirada dos manifestantes, derrubara espancara cruelmente os jovens estudantes e depredaram as instalações da faculdade, em evidente sinal de desrespeito ao patrimônio público. Dinho e Beta, no entanto, amavam os Beatles.

Naquela primavera – a nós outros, deletada dos arquivos da memória –, importava-lhes o universo e a descoberta dos afetos entre o jovem e a menina que se entreabria para a adolescência.

A velocidade e as engrenagens do Tempo lhes impuseram caminhos diferentes: aos Beatles, ambos erigiram-lhes o altar de suas remembranças; das relações e casamentos desfeitos, os filhos, os netos, das realizações profissionais, a certeza de que cada escolha, a seu tempo, fora a acertada. Para o que inexistiu o direito de eleger – e aí todos nos incluímos, – somente a coragem, a luta intermitente por incontáveis meses, a perseverança e a Fé, forjaram o homem e a mulher irresignáveis ao surgimento, em cada qual, de tumoração.

O primeiro dia do resto de nossas vidas

No cálido domingo de primavera, esses dois guerreiros – Dinho e Beta – elegeram a orla do Guaíba, ante o mais belo por do sol do planeta, para escutar, ao longe, Paul McCartney e, acima de tudo, para a mais justa celebração da vida e da arte do reencontro com ela própria.

And when the night is cloudy,
There is still a light that shines on me,
Shine on until tomorrow, let it be.
I wake up to the sound of music
Mother mary comes to me
There will be no sorrow, let it be.
Let it be, let it be.
Let it be, let it be.
There will be no sorrow, let it be.
Let it be, let it be,
Let it be, let it be.
Whisper words of wisdom, let it be.

*E quando a noite está nublada,/Há ainda uma luz que brilha em mim,
Brilha até a manhã, deixe ser./Eu acordo ao som da música
Mãe Maria vem para mim/Não haverá tristeza, deixe ser./Deixe ser, deixe ser.
Deixe ser, deixe ser./Não haverá tristeza, deixe ser./Deixe ser, deixe ser.
Deixe ser, deixe ser./Sussurrando palavras de sabedoria, deixa estar – Let it be – John Lennon e Paul McCartney

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