O catador de lixo
No litoral de São Paulo, semana passada, duas pessoas na mesma linha da miséria protagonizaram cada qual ao seu modo esta separação entre barbárie e civilização.
Era noite. A rua estava vazia quando uma mulher dirige-se à caçamba de lixo e despeja um saco como se contivesse entulhos de restos de comida. Do mesmo modo tranquilo, deixa o local e segue seu triste destino. A cena foi gravada pela câmera de um circuito de segurança de um prédio próximo. Alguns minutos depois, a mesma câmara registra chegada de um catador de lixo que encontra, no saco jogado pela mulher, um recém-nascido.
O homem simples, pobre, sujo, espanta-se. Atordoado, sai em busca de auxílio. Corre até uma escola próxima e volta acompanhado de um professor. A criança é retirada do lixo. É uma menina e, segundo as notícias, com pouco mais de cinco dias de vida. Ao fato foi dado destaque e o vídeo está na internet.
A vida de um catador de lixo é dura, creio mais do que parir um filho não desejado. Pois este catador cujo nome sequer foi mencionado, possui razões para desprezar tudo aquilo que lhe cerca no mundo; mas, ao contrário, a vida cruel não lhe retirou o sentimento de humanidade e de vínculo com o semelhante. Comovido, buscou ajuda e salvou uma criança.
A mulher que jogou o recém-nascido no lixo é a síntese da barbárie; o anônimo catador, com todas as adversidades que a vida lhe apresenta – paradoxalmente – traduz o que o homem possui de melhor na sua essência: a comiseração, civilidade e a preservação da vida incipiente e, sobretudo, nos faz poder acreditar que esse nosso mundo insano ainda tem jeito.