Colunistas

O catador de lixo

A barbárie é demonstrada por meio de atos de selvageria, e se opõe ao comportamento civilizado, que segue – ou pelo menos procura – a razão e o discernimento. Na Grécia e na Roma antiga, considerava-se que todo estrangeiro era bárbaro o que equivalia dizer que era um indivíduo rude, inculto e grosseiro, sem o direito de se tornar, jamais, cidadão grego, ou romano.
No litoral de São Paulo, semana passada, duas pessoas na mesma linha da miséria protagonizaram cada qual ao seu modo esta separação entre barbárie e civilização.

Era noite. A rua estava vazia quando uma mulher dirige-se à caçamba de lixo e despeja um saco como se contivesse entulhos de restos de comida. Do mesmo modo tranquilo, deixa o local e segue seu triste destino. A cena foi gravada pela câmera de um circuito de segurança de um prédio próximo. Alguns minutos depois, a mesma câmara registra chegada de um catador de lixo que encontra, no saco jogado pela mulher, um recém-nascido.

O homem simples, pobre, sujo, espanta-se. Atordoado, sai em busca de auxílio. Corre até uma escola próxima e volta acompanhado de um professor. A criança é retirada do lixo. É uma menina e, segundo as notícias, com pouco mais de cinco dias de vida. Ao fato foi dado destaque e o vídeo está na internet.

A vida de um catador de lixo é dura, creio mais do que parir um filho não desejado. Pois este catador cujo nome sequer foi mencionado, possui razões para desprezar tudo aquilo que lhe cerca no mundo; mas, ao contrário, a vida cruel não lhe retirou o sentimento de humanidade e de vínculo com o semelhante. Comovido, buscou ajuda e salvou uma criança.

A mulher que jogou o recém-nascido no lixo é a síntese da barbárie; o anônimo catador, com todas as adversidades que a vida lhe apresenta – paradoxalmente – traduz o que o homem possui de melhor na sua essência: a comiseração, civilidade e a preservação da vida incipiente e, sobretudo, nos faz poder acreditar que esse nosso mundo insano ainda tem jeito.

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