Colunistas

Santherminia

Pasticho sobre o romance “Cem Anos de Solidão,
de Gabriel Garcia Márquez

…adquire uma tonalidade pardacenta, carregado
de nuvens plúmbeas, como se abaixassem…

Parte I

Passavam das dez da noite quando a barca O Continente atracou no pequeno porto de santherminia. Frei marcelino ingracio d’arisbo desembarcou e não havia vivalma para desejar-lhe as boas-vindas. Somente francisco juruena, o chico da praia, que se ocupava em amarrar os cordames das raras barcaças e chalanas a motor que por ali aportassem, encorajara-se a guardar vigília no cais. Foi ele quem ensinou ao frade como chegar à igreja da matriz.

Frei marcelino, um castelhano fulvo e espigado, guarnecido por óculos de grossas lentes, pertencia à austera ordem de são francisco. Molhado, tremendo de frio, ele imaginou que aquele fosse o prenúncio de seus dias na paróquia de santherminia, Não será por muito tempo – consolou-se –, é até o retorno de frei zacarias. Rogou perdão por esse pensamento nada generoso, cobriu a cabeça com o capuchinho, ergueu a batina até os joelhos, deixando transparecer os pés metidos em sandálias de couro e, sem se importar com as poças d’água, pôs-se a caminho do povoado. Estranho lugar este! – ele pensou. E iniciou a subida da rua sete de setembro.

Aquele ano, para o brasil, começara mal. Em fevereiro, apoiados pelo então ministro da guerra, general ciro do espírito santo cardoso, oitenta e dois coronéis divulgaram um manifesto golpista e reacionário, criticando as greves dos trabalhadores e ardilosamente comentando o custo de vida.  Getúlio vargas, em resposta, demitira o ministro traidor, sem ter outro general de confiança para substituí-lo. O presidente não acreditava na lealdade de mais ninguém das forças armadas desde que o general cordeiro de farias, que sempre comera pela mão dele como um cachorrinho, o apunhalara pelas costas em 1945. Não lhe restara alternativa outra, que não a de nomear àquele ministério um homem em quem também não confiava: o general zenóbio da costa, saudado sem restrições pelos militares por ter sido um dos comandantes da força expedicionária brasileira que lutara ao lado dos americanos na segunda grande guerra. Para aquietar a milicada, fora obrigado, ainda, a exonerar do ministério do trabalho seu amigo jango goulart. Isto tudo acontecera antes que fevereiro acabasse. Em maio, os golpistas tentaram o impeachment do presidente, e o traidor, João neves, auxiliou a difundir falsidades sobre um acordo secreto entre perón e getúlio. Ainda neste mês, o enterro de um jornalista, morto a socos por um policial, foi usado como pretexto para uma passeata contra o governo pelos seguidores fanáticos de carlos lacerda, os lanterneiros, um bando de golpistas que se reuniam no chamado clube da lanterna, apoiados pelas mal-amadas, uma associação de donas de casa histéricas. Em julho, os udenistas, sempre com propósitos golpistas, inventaram uma conspiração comunista. Por trás de tudo avultava a figura sinistra de lacerda, O Corvo. O fato que desencadearia todos os tormentos de agosto estava por acontecer: na madrugada do dia 5, passados quarenta e cinco minutos da meia-noite, na frente do prédio de apartamentos onde residia, na rua tonelero, 180, carlos lacerda viria a sofrer um atentado. Junto com ele, o filho sérgio, de quinze anos, e o major vaz, da aeronáutica. Lacerda se despediu do major e dirigiu-se com o filho para a porta da garagem do edifício. Vaz caminhou em direção ao seu carro. Um homem atravessou a rua e atirou em lacerda, que correu para o interior da garagem. O major vaz aproximou-se e agarrou a arma do pistoleiro. Novamente o homem acionou o gatilho. O major continuou agarrando o cano do revólver até que o desconhecido, num repelão, soltou a arma dos dedos que a prendiam, caindo ambos, cada qual para um lado, pela violência do gesto brusco. O homem levantou-se e atirou novamente. O major vaz ficou, definitivamente, estendido no chão, morto. Pela manhã, ao receber a visita de solidariedade do ex-presidente marechal eurico gaspar dutra e de dezenas de oficiais da fab, lacerda declara, Responsabilizo o presidente da república pelo atentado. Foi a impunidade do governo que armou o braço criminoso. Lutero vargas é um dos mandantes do crime.

Os jornais noticiam em grandes manchetes o atentado. A repercussão no congresso é enorme. O líder do governo na câmara, deputado gustavo capanema, ocupa a tribuna para classificar de infundadas as acusações ao filho do presidente da república. A multidão que lota as galerias vaia capanema estrepitosamente.

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