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Agosto – Final

Em setembro, vindos da argentina, o senderos orientales, um grupo de mambembes chegou a santherminia. Num meio-dia escaldante, na praça da matriz, em frente à igreja, os atores exibiram algumas das novas atrações, dentre elas, um número assombroso com a enorme lupa: puseram um monte de capim seco no centro da praça e atearam fogo nele pela concentração dos raios do sol. Mostraram, ainda, um cartaz com o retrato de duas falsificadas e obscenas odaliscas, anunciando uma visão paradisíaca para a noite da estreia, em sessão especial só para homens. As beatas souberam e não toleraram aquele ajuntamento. Queixaram-se ao franciscano.  Frei Marcelino defendia os recém-chegados, Fazer o quê? Essa gente também tem lá os seus direitos. Sim, – as beatas contra-atacavam, mas a frente da casa de deus não pode se prestar de palco para as artimanhas de satanás. Premido pelas mulheres, sem muita convicção, o frade ordenou aos ciganos, Vão-se daqui! Os nômades, recolhidos os petrechos, às gargalhadas, retiraram-se para a várzea, à margem do rio, onde estava armado o esfarrapado circo.
À noite, Aleph acompanhou dona brígida à missa de mês em intenção à alma do coronel Moraes pereyra. Major taurino, que não regateava mesa de carteado alto ou dama nova recém-vinda de buenos aires, rumara para a fazenda. Era época da colheita e, nessas ocasiões, o estancieiro não se descuidava nos carregamentos, compensando, assim pensava ele, as perdas financeiras no jogo e nas alcovas do rendez-vous, às quais não mais conseguia encobrir.

Absorta no ritual, dona brígida não percebeu o neto esgueirar-se por entre pernas e bancos, abandonar a igreja e se bandear para o teatrinho mambembe. A música oriental, propagada por dois velhos e roufenhos alto-falantes, insinuava a apresentação das odaliscas. O menino descortinou, na lona repleta de remendos, um rasgão do tamanho suficiente por onde ele pudesse se enfiar. Estava com meio corpo sob as arquibancadas, quando foi puxado pelo cós.

Aonde tu pensas que vai? – este era nestor barata, dublê de apontador de “jogo do bicho” e alcaguete. Assustado, aleph implorou, Me solta, eu vou embora. Ah, tu agora tá te borrando de medo, n’é guri? Vô te entregar pro doutor licurgo.

O delegado licurgo guimarães escutou o entrevero e, derrapando nos excrementos das mulas dos saltimbancos, aligeirou-se no dar-fé, O que temos aqui? Barata segurava o garoto pela gola da japona, Este mijão tá pensando que já é macho. Me solta, dedo-duro, vendido! – aleph tocara no ponto frágil de nestor barata: suspeitava-se ter sido ele o autor da denúncia de que as professoras, lideradas por quatro das irmãs moraes pereyra, haviam se insurgido contra a política educacional e previdenciária do general flores da cunha. O delator informara, até, da existência de um suposto abaixo-assinado para encerrar definitivamente as atividades do instituto de previdência. Em represália, o general-interventor, mesmo sem provas, determinara a remoção das educadoras para escolas rurais nas vilas de refugiados e são josé dos ausentes, para os lados de vacaria. Foi licurgo guimarães quem ordenou, Respeita a autoridade! O moleque estava enfezado, Que autoridade, seu delegadinho de merda? Piazito atrevido – guimarães espumava – Deve ter ouvido da boca de algum dos avila. Aquela corja! Vivem da ilusão de umas poucas platas que ainda têm. O major taurino – ainda discursava o delegado licurgo, imaginando uma imensa plateia –, mais putanheiro e carpeteiro, não conheço, anda numa merda desgracita. Os filhos, anarquistas, são contra o regime constituído. O pior de todos é aquele metidinho a poeta e escritor. Naquele jornaleco imundo do saraiva, o a voz, ele desanca o porrete em quem não lhe cai nas graças!  Resfolegando, empurrou o menino em direção à rua, Mas não vai ficar por isso! O laurindo, meu filho promotor, vai saber o que fazer com aquele bando e com esse pirralho fedido!

Dezoito anos depois, laurindo guimarães, procurador geral de justiça, cerrou para Aleph as portas para o estágio remunerado no ministério público.

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