Colunistas

Os filhos da rua – uma história antiga

A edição de Zero Hora, do domingo, 17, desferiu violento murro na boca do estômago de quem, despido das máscaras da hipocrisia – matéria prima das colunetas sociais, das repetidas e maçantes reportagens dos canais televisivos das aldeias, recheadas à exaustão dos “com certeza!” –, se propôs à leitura de “O Filho da Rua”.

Mais do que uma inédita matéria jornalística, é o árduo trabalho, durante três longos anos, onde a persistência, a pertinácia, a ousadia e, muitas vezes, o destemor demonstrados pela jornalista Letícia Duarte foram elementos fundamentais.
Em o “O Filho da Rua”, Letícia narra, em caderno especial de dezesseis páginas em formato tabloide, a história do menino Felipe (que teve o nome trocado para preservar a identidade, conforme determina o Estatuto da Criança e do Adolescente), dos onze aos quatorze anos.

A detalhada história de Felipe é a história da maioria dos meninos que perambulam pelas esquinas e sinaleiras de trânsito pedindo esmola e acabam caindo na armadilha do crack.

Felipe é infantil, mas agressivo; pede ajuda, mas não larga o crack; procura a família, mas vive nas esquinas. A sociedade – hipocritamente caridosa – sustenta seu vício com esmolas. A mãe cansou da luta para resgatá-lo. Projetos dos governos fracassaram na missão de auxiliá-lo. Foram 105 encaminhamentos ao Conselho Tutelar. A família foi inserida em cinco programas sociais: Bolsa-Escola, Bolsa-Família, Programa de Erradicação do Trabalho Infantil, Núcleo de Apoio Sociofamiliar da prefeitura de Porto Alegre. Foram nove encaminhamentos da Promotoria da Infância e da Juventude e três do Juizado da Infância e da Juventude. Felipe foi internado sete vezes para tratar sua dependência química. O menino passou por três abrigos e foi matriculado em quatro escolas. Continua analfabeto.

Extremamente esgotada, Maria, a mãe de Felipe, na última sexta-feira desiste de esperar e ruma para Torres. Diz que precisa voltar para a sua cidade para cuidar do neto que cria. Morar no litoral, diz ela – amarga ilusão! –, é também uma tentativa de evitar que o pequeno de seis anos tenha o mesmo destino de Felipe e seus irmãos. Um morreu assassinado, outro está preso por roubo, um terceiro passou pela Fase. As duas irmãs também caíram nas drogas e perambulam pelas ruas.

Não por ser este ano de eleições municipais, mas essa antológica reportagem deveria ser leitura obrigatória para os formuladores de políticas públicas, conselheiros tutelares e, sobretudo, o caderno deveria ser lido com especial atenção pelos candidatos a prefeito e vereador de todos os municípios gaúchos.

Assistencialismo demagógico e muito marketing não são sinônimos de gestão eficiente. O eleitor sabe disso.
Pena que os esclarecidos são poucos e, por algum tempo ainda, não irão alterar o rumo e o cenário político.

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