O que ainda me leva a Imbé
Acontece que o meu título eleitoral – esse documento importantíssimo para a nossa vigorosa democracia – é de Porto Alegre e jaz a três ou quatro eleições no fundo de uma gaveta; por mim, que a Justiça Eleitoral bata lá em casa e me recolha ao xilindró, mas não voto mais em ninguém, pelo simples fato de que ninguém merece esse ato meu de tamanha boa vontade. Como decidi que não voto mais em ninguém, também não compareço no dia da eleição: que me imponham dura punição corporal; que me multem, mas como diz o samba, eu não mudo de opinião…
Retornemos ao Imbé. Amiúde, quando o tempo melhora e sobra, vou ao Imbé aproveitar a brisa leve que sopra do nordeste, o mar verde calipso e cálido que se apresenta logo após a barra do rio Tramandaí, sem falar nas longas caminhadas pelo Braço Morto cujo paisagismo – é o que corre à boca pequena – foi concebido pelo gênio de Burle Marx.
Embora eu não o conheça, vossa excelência me conhece. Sabe meu nome e endereço, pois todos os anos recebo um carnê para recolher imposto à burra do município. No carnê, não só o senhor manda pagar o valor do IPTU como implicitamente ameaça – e lhe dou inteira razão – o munícipe que ousar desrespeitar o indispensável pagamento. E sugere que possui um corpo jurídico que, presumo, é atento e qualificado, e que fará valer o direito de confiscar tantos bens quantos bastem à satisfação do tributo. Cioso, menos do que temeroso, pago. E assim os anos passam, o imposto aumenta e o serviço diminui, a gente se cala e aceita… Consola-me um pouco, só um pouco, que nas outras cidades do litoral a situação não é diferente.
Mas o que eu quero dizer, com o respeito que a investidura do honroso cargo que o senhor detém e exerce, é que a sua cidade – e novamente constatei isso no último “feriadão” – e de certa forma minha também, continua feia, mal cuidada, suja, jogada ao descaso!
As ruas, mesmos as que receberam uma fina camada de asfalto estão esburacadas e, basta uma chuva mais forte, para ficar inundadas, quase não se distinguindo o que é o mar e a água da chuva. E não há quase calçadas; a gente é obrigado a andar muitas vezes pelo meio da rua, cuidando-se para não ser atropelado. E há os brejos e com eles os mosquitos a infernizar em todo entardecer. Os quiosques da beira mar são de puro mau gosto, alguns com aspectos pútridos a vender bebidas da mesma marca e com mesmo preço irrazoável. O capitalismo se regozija de que a competição é que o que move o desenvolvimento, mas os quiosques do Imbé não conhecem a “lei do mercado”… E fico imaginando se o comezinho é tratado com descaso, como andará a saúde a educação do seu povo, prefeito?
Mas há uma exceção, reconheço: a coleta do lixo. Passa todo os dias na frente lá de casa; mas ao som do caminhão a gente sai em disparada para dentro de casa e fica bem escondido, em silêncio sepulcral, caso contrários os laboriosos garis desafiam o morador a dar gorjeta. E a insistência é constrangedora, vossa excelência não tem idéia! Bastam ver que a casa apresenta algum movimento para que assobiem, batam palmas e, só a custo, depois de muita insistência, desistem e retomam o trajeto.
O senhor, prefeito, haverá de pensar o que me faz, então, ir ao Imbé. A resposta, excelência, passa por um churrasco assado com raro talento e regado a cerveja geladíssima num longo copo fino de cristal, benesses inigualáveis servidas dentro de um “garajão” da rua Uruguaiana pelo meu amigo doutor Ladimir Kosciuk, enquanto se joga conversa fora, num completo descompromisso sem culpa, entregue ao ócio com dignidade.