Envelhecer
Depois deste atendimento, a única certeza que tenho a respeito do meu futuro, é que irei envelhecer. No entanto a forma como isto irá acontecer depende única e exclusivamente de mim.
Parece que foi ontem, quando tinha 16 anos e comecei a trabalhar. Naquele período o futuro para mim, parecia tão distante. Comecei a namorar, casei, mudei de cidade, tive filhos. Os filhos foram crescendo, casaram e cada um tomou seu rumo. Hoje, temos três netos que perpetuarão nossa família enquanto vamos envelhecendo.
Para mim isto é tranqüilo, é o ciclo normal da vida. Concebo a velhice como parte de um processo, a continuidade do que um dia iniciou. Mas, para algumas pessoas que conheço parece que ao envelhecer significa um alto preço que pagamos para viver. O problema é como cada um de nós encara a chegada da velhice.
Tem pessoas que acreditam que envelhecer é sinônimo de alívio por terem cumprido uma etapa de vida. Alguns crêem ser chegada a fase do ranço, do recolhimento, da solidão e das constantes e inevitáveis doenças. Embora envelhecer e adoecer não sejam sinônimos, existe o fato de que realmente algumas enfermidades são mais freqüentes em pessoas idosas (visão e audição diminuídas, problemas cardíacos, reumáticos…), mas, no geral, ser velho não é o mesmo que ser doente, e, como velhice não é doença, não é a velhice que tem que ser tratada, mas sim a pessoa no seu processo de envelhecimento. Para outros, envelhecer é sinônimo de sabedoria. É também chegado o período de colher e usufruir os frutos que foram plantamos na longa jornada desde a juventude até a maturidade.
Envelhecer implica ter passado pelas diversas etapas da vida. Acumulando experiências, anseios e realizações. No caminho que se trilha na estrada do viver. Viver, com 60, 70, 80 e talvez 100 anos ou mais, parece uma aventura que precisa ser acolhida e cultivada como parte importante no ciclo do existir: a complementaridade do círculo da existência humana.
Envelhecer é uma fase do desenvolvimento humano a ser vivida plenamente, com suas alegrias, conquistas e dificuldades que são inerentes ao viver. Nesta fase da vida é chegado o tempo da liberdade para vivermos sem nos preocupar com padrões ditados pela ditadura do certo ou errado. Momento de sermos finalmente livres para termos nosso hobby e vontades como prioridade de vida. Porque tudo que vier é lucro. Poder deseducar, mimar, brincar, abraçar e beijar muito nossos netos. Conhecer novos lugares, pessoas e costumes.
Viver cada dia, deixando-se encantar pela experiência de criar e recriar a ação do viver, que é composta por várias etapas, que vão moldando o jeito de ser e estar no mundo. E estar no mundo, de peito aberto, encarando e enfrentando as questões que lhe são colocadas é tarefa de todo dia.
Cada momento do viver traz seus encontros e desencontros. Desde o nascimento até a morte são muitas experiências e muitas vidas num único viver. São pessoas em uma única pessoa. Criança, jovem, adulto, velho, homem ou mulher.
Para mim, é comum vermos nos discursos e práticas cotidianos, uma relação cruel que culpabiliza a pessoa pelo seu processo de envelhecimento ter chegado a muitos anos vividos. Uma exacerbação do velho como coisa descartável que transparece em atitudes como considerar o velho como um peso a ser suportado. O culto à beleza, aliado ao desejo da eterna juventude, parece ditar as normas. Será que só se é belo enquanto se tem juventude?
De acordo com dados estatísticos do IBGE, em 2000, contava-se com 8,3% de idosos no Brasil, com expectativa de um crescimento populacional que chegará a 15,1% em 2025. Vários estudos, no entanto, têm focado as diferentes fases da vida adulta e do envelhecimento, trazendo para nós a beleza, as conquistas e os desafios de cada uma delas. A medida que envelhecemos, incorporamos os desafios e aprendizados das fases anteriores, nos tornando pessoas melhores e mais preparadas para cumprir os objetivos da fase seguinte.
Sabe-se que são muitos os mitos que recaem sobre a velhice, como dizer e acreditar que velho não aprende nada, velho é improdutivo, e tantos outros. Nas ruas, é comum presenciar um motorista de transporte coletivo reclamando por ter que parar o veículo para um idoso entrar. Muitos reclamam da lentidão e muitas vezes argumentam que velho deveria ficar em casa descansando. No entanto, são pessoas que têm o diferencial dos demais por terem vivido mais anos e continuam vivendo, com direitos e deveres como cidadãos que merecem todo o respeito.
Sinto-me privilegiada por ter a oportunidade de estar próxima a pessoas que já viveram muitos anos. Trato-as com muito carinho por que é minha obrigação de acolhê-las e aceitá-las incondicionalmente, do jeito que são. Fazendo isso, dou minha contribuição no seu processo de continuar vivendo, um dia de cada vez, descobrindo e redescobrindo o seu jeito de ser uma pessoa.
A vida, é um dom de Deus. Sendo ela única, intensa e plena. Vivendo um dia de cada vez experimenta-se o sabor de fazer o caminho e chegar. E recomeçar, construindo seus caminhos de maneira que lhe convier.