Colunistas

O valor dos inúteis

Os animais, por instinto, defendem suas crias mesmo com o sacrifício da própria vida, se necessário. Os humanos, por vezes, rejeitam os filhos. Recém-nascidos são abandonados por suas mães até no lixo ou,ao crescerem podem ser considerados estorvos (menino Bernardo, Três Passos). Felizmente são exceções execradas pela sociedade.

Já no ocaso da vida ocorre o inverso, é norma corrente abrigar os ascendentes que já não podem mais prover suas necessidades básicas. Contudo, neste mundo onde impera o egoísmo, onde amiúde se olha apenas para o próprio umbigo, onde eventualmente fechamos os olhos para o outro por mais próximo que por vezes seja, as palavras do padre Fábio Melo que transcreverei podem soar piegas e destituídas de sentido mas, perscrute seu íntimo e apreenda o quão profundas são e, creia, se fossem auscultadas e não apenas isso mas também introjetadas,  o mundo seria um lugar bem mais aprazível e os conflitos exceções, não regras vigentes.

“A utilidade é uma coisa muito cansativa. Você ter utilidade para alguém é uma coisa muito cansativa. Está certo, realiza, humanamente é interessante você saber fazer coisas, mas eu acredito que a utilidade é um território muito perigoso porque muitas vezes a gente acha que o outro gosta da gente, mas não, ele está interessado nas coisas que a gente faz por ele.

E por isso a velhice é esse tempo em que passa a utilidade e só fica o seu significado como pessoa. Eu acho que este é  o momento em que a gente se purifica. É o momento em que a gente vai saber quem nos ama de verdade, porque só vai ficar conosco até o fim aquele que depois da utilidade descobre o nosso significado, por  isso peço a Deus que me permita envelhecer ao lado de pessoas que possam me proporcionar a oportunidade de ser inútil mas, ao mesmo tempo,  sem perder o valor.

Quando eu viver aquela fase da vida: “Põe o padre Fábio no sol, tire o padre Fábio do sol”, peço a Deus que tenha sempre alguém que me coloque no sol mas, sobretudo, que venha alguém me tirar depois. Alguém que saiba acolher a minha inutilidade, alguém que olhe para mim assim, que saiba que eu possa não mais servir para muita coisa mas continuo tendo o meu valor. A vida é assim minha gente, se quiseres saber que o outro te ama de verdade é só verificar se ele saberia tolerar a sua inutilidade.

Queres saber se amas alguém? Pergunte a si mesmo quem nesta vida pode ficar inútil para você sem que você sinta o desejo de jogá-lo fora. É assim que descobrimos o significado do amor. Só o amor nos dá condições de cuidar do outro até o fim. Por isso eu digo: Feliz aquele que tem ao final da vida a graça de ser olhado nos olhos e ouvir a fala que diz:

-Você não serve para nada, mas eu não posso viver sem você”.

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