A padaria de Imbé – Jorge Vignoli

A padaria de Imbé - Jorge VignoliEm Porto Alegre existe uma lanchonete cuja especialidade é o bauru. Funciona há décadas e se mantém até hoje, firme forte, diminuindo o apetite também dos notívagos da cidade (mestre Sérgio Agra, como ele diz, “nos verões da juventude”, muito deve ter saboreado aqueles barus nos finais das madrugadas dos domingos boêmios).

Quando a lancheria foi aberta era simples, pequena e apresentava certo desleixo. O que atraía os clientes, na verdade, não era o ambiente, que deixava a roupa impregnada de gordura, mas o bauru servido num pão fresco e crocante, recheado com um generoso bife de filé, além do preço honesto e acessível ao bolso do estudante.

Certa noite me surpreendi com a reforma da casa, que se tornara mais aprazível e asseada. E não pude deixar de ouvir o comentário de um freguês zombar do dono: “Agora a casa ficou bonita! Está limpa, mas eu gostava como era antes: apertada e suja”. O dono fez um ar de reprova, “engoliu” a brincadeira e deu de ombros.

Em Imbé há uma padaria que, duvido, haja outra que faça um pão cacetinho mais delicioso e macio em todo o litoral. Impossível que exista croissant mais saboroso do que aquele vendido na padaria. Nem o croissant do Les Deux Magots, na margem direita do Sena é capaz de competir com a padaria de Imbé.

A casa é pequena, instalada numa espécie de galpão de madeira, e o ambiente, digamos assim, descuida um pouco do esmero. A servir a freguesia apenas o caixa, a balconista e o proprietário.

A balconista fica em incessante vaivém entre o balcão e os fundos da padaria, onde fica o forno e o padeiro. O dono apenas corta em fatias os frios numa máquina antiquada e manual, em aparente conformidade com faina diária.

Nunca soube — e a timidez também nunca me permitiu perguntar — a razão pela qual a padaria não deixa um estoque de pães logo atrás do balcão, a evitar as incontáveis idas da empregada aos fundos para alcançar os pedidos. Também fica por conta da minha curiosidade por qual motivo o dono não troca a máquina manual dos frios, velha e ultrapassada, por uma moderna e elétrica.

Por conta da excelência dos pães, cucas, sonhos e, ainda, pela lentidão no atendimento, durante o verão forma-se uma extensa fila que chega à rua. Os fregueses, entretanto, ávidos por degustarem as iguarias fresquinhas e inigualáveis, pacientes esperam a sua vez.

Há pouco, antes do Ano Novo, ao chegar a Imbé fui me abastecer na padaria. Surpreso, vi a porta fechada. Um aviso, contudo, indicava: “Mudou-se. Novo endereço na próxima quadra”.

De fato, logo adiante, agora num prédio de alvenaria, novinho em folha, lá ela estava. “Renovar ou morrer” — pensei. Uma longa fila, como sempre, formava-se pela rua. E custosa meia hora gastei até ser atendido. E os mesmos empregados, o mesmo ir e vir da balconista, e o dono a cortar salame e queijo. Apenas mudara o prédio, agora espaçoso, com as paredes pintadas e limpas.

Ao sair tive vontade de também troçar o dono: “Agora a casa ficou bonita! Está limpa, mas eu gostava como era antes: apertada e suja”. A timidez, novamente, me conteve.

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