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A pantalona puída

O auditório da pequena cidade do interior do Estado mostrava-se engalanado. Afinal, por vez primeira acolheria em seu palco, para uma histórica apresentação, a Grande Orquestra Sinfônica do Brasil.

Ante o ineditismo do concerto, a plateia mostrava-se, naquela noite especial, diversificada; muitos dos presentes eram originários de outros municípios.

O maestro, virtuosíssimo, de generosidade ímpar, concedera à maestrina local, a batuta para a execução de duas peças – Trenzinho Caipira e Veleiro – de Villa Lobos.

A ainda jovem maestrina, no entanto, não era lá exemplo de reconhecida humildade. Não! Petulante, orgulhosa, entendia que suas ideias – “originais” – devessem prevalecer sobre as dos demais, nem que, para tanto, as tomasse “emprestadas” de outrem.

Anunciada ao palco, trazida pelas cavalheirescas mãos do maestro, vestindo um conjunto negro de pantalona de seda e blusa de cetim, ela fez a curvatura de praxe, em agradecimento aos aplausos previamente recebidos.

Nisso, o olhar discreto, porém aflito, do spalla (nome dado ao primeiro-violino de uma orquestra, fica na primeira estante, à esquerda do maestro) dirigiu-se à mulher. Orgulhosa e arrogante, pouco caso fez do gesto do músico.

A maestrina subiu à bancada, agradeceu uma vez mais os aplausos e virou-se de frente para a orquestra. Erguendo os braços para os primeiros acordes, eis que uma pequena parte da plateia não logrou segurar o riso e murmúrios. A pantalona, mal cuidada, há muito tempo puíra e rasgara-se nos fundilhos, deixando à mostra a peça de roupa íntima sob as calças. Vexada e sem exatamente saber a causa, retirou-se do palco, agora sim, com o público em constrangido silêncio.
Os que se abstiveram de manifestar-se ante o inusitado, assim não o fizeram menos por cegueira visual do que do espírito. Afinal, ela sempre se apresentara com aquela velha, puída e mal cuidada pantalona. Algum dia, isso era certo, a indumentária haveria de rasgar-se e perante uma outra plateia, que não aquela “de sempre” que entendia estar tudo certo, tudo no seu “devido lugar”. Fora necessário que um novo público apontasse o “foi sempre assim”, “a gente já está habituado”, nem sempre é o correto.

A parábola da pantalona dos fundilhos rasgados me veio como fonte de inspiração ao receber, com a devida humildade e infinito agradecimento, o valiosíssimo presente – como inutilmente tentara o spalla ao avisar a maestrina – de meu fraterno amigo, Doutor Jayme José de Oliveira, uma coleção de 12 DVDs com aulas de Português do Professor Pasquale. O próprio Dr. Jayme me esclarece:

“São 12 DVDs com explanações sobre a “Última flor do Lácio, inculta e bela”. Destinam-se a recém-ingressos no estudo (crianças terão facilidade no aprendizado), porém os que, como nós, tratamos a língua celebrizada por Camões poderemos eventualmente consultar. Chamo especial atenção para o fascículo nº 12 – Dificuldades da Língua Portuguesa”.

Com a mesma generosidade do maestro que cedeu a batuta à maestrina, ofereço o site do Prof. Pasquale aos coleguinhas de crônicas e textos – jornalísticos ou não – que reconheçam, com a devida humildade, estar até agora, como eventualmente eu próprio estive, com os fundilhos puídos.

Quem sabe, a “maestrina” possa retomar a “batuta”. Sem pantalona rasgada e, sobretudo, sem constrangimentos.

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