Colunistas

A síndrome do avestruz

Através do Programa Nacional de Bibliotecas nas Escolas (PNBE) do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação, o Ministério da Educação seleciona e distribui às escolas brasileiras centenas de títulos. Ganham os alunos, sobretudo os das escolas da rede pública, em razão da facilitação do acesso ao livro, e, consequentemente, o autor ante a ampla distribuição de seu trabalho. Não são poucos os escritores gaúchos, autores de obras literárias direcionadas ao público infanto-juvenil, contemplados naquele Programa.

Surpreendentemente, a Secretaria de Educação do Estado do Rio Grande do Sul, através de sua titular, a professora Mariza Abreu, torna público o seu entendimento em desaconselhar leitura de livros que abordem assuntos polêmicos, como pedofilia, estupro, adultério e violência doméstica. A Secretária declara a inadequação do uso desse gênero de leitura para adolescentes, vez que, na sua concepção, esse material estimula a erotização, o comportamento agressivo, uma percepção inadequada das relações afetivo-sexuais entre essa faixa etária.

Não bastassem as telenovelas brasileiras e os enlatados que a televisão importa e despeja, diariamente e a qualquer hora, retratando a violência, os crimes, as contravenções e corrupção nas mais altas esferas públicas e privadas, a criança e o adolescente, mesmo os de condições sócio-econômicas menos favorecidas, têm o recurso da internet nas lanhouses que se proliferam em qualquer escaninho das cidades.

Por outro lado, não estamos, hoje, lidando com a juventude alienada dos anos de chumbo do regime de exceção, onde a tesoura implacável da censura ditava a todos, sem exceção, o que se poderia ou não se poderia ler, ver e ouvir. A criança e o adolescente contemporâneos têm uma visão bem mais direta e imediatista dos fatos que a cercam.

Durante quatro anos, ministrei, em trabalho voluntário, uma oficina de criação literária com pré-adolescentes numa Organização Não-Governamental, num bairro na Zona Sul de Porto Alegre, onde se desenvolvera uma favela. Dentre os vários temas trabalhados pelos jovens “oficineiros”, em sua grande maioria, retratavam situações vivenciadas por cada um deles no seu dia-a-dia: a violência doméstica, a exploração do trabalho infantil, a gravidez prematura, a perigosa vizinhança com o tráfico de drogas, o incesto.

As autoridades responsáveis, como medida salutar e democrática, antes de ato discricionário e, por que não?, arbitrário da Secretária de Educação ao coibir a leitura nas escolas de livros que abordem esses assuntos polêmicos, devem promover uma ampla discussão sobre o impasse.  Fantasiar-se com estereótipo do avestruz – enterrar a cabeça sob o solo – é, aí sim, a mais cristalina imagem da cegueira e do retrocesso intelectual ante a realidade já vivenciada há muito pelas crianças e pelos adolescentes.

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