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Ainda a polêmica do uso de algemas

No transcurso do último mês a imprensa gaúcha resolveu reacender uma questão que estava sumida da mídia, sobre a utilização indiscriminada das algemas durante os julgamentos judiciais, em especial, aqueles realizados perante o Tribunal do Júri.

Ocorre que já em 2008, por ocasião do julgamento do Habeas Corpus nº 91.952, oriundo do estado de São Paulo, o Supremo Tribunal Federal resolveu acabar de vez com as discussões acerca do uso de algemas em operações policiais e em julgamentos, aprovando por unanimidade a SÚMULA VINCULANTE nº 11, cujo inteiro teor é o seguinte: “Só é lícito o uso de algemas em caso de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado”.

O caso que gerou a edição desta Súmula ocorreu em um julgamento pelo Tribunal do Júri da Comarca de Laranjal Paulista/SP, onde o réu permaneceu algemado indiscriminadamente durante toda a sessão de julgamento, e sem a devida justificativa por parte do Juiz Presidente, fato que indiscutivelmente influenciou o veredicto dos jurados, ocasionando a anulação do processo por parte da Corte Suprema.

Um jornal de grande circulação no estado publicou extensa matéria em meados do mês de julho onde noticia que nos últimos dois meses a Terceira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado teria anulado oito processos, justamente em razão de afronta à Súmula Vinculante nº 11, uma vez que os réus teriam permanecido algemados durante o julgamento, sem a devida justificativa por parte do magistrado.

O periódico entrevistou o Doutor em direito penal, Aury Lopes Junior, que defendeu a posição dos magistrados da 3ª Câmara, dizendo: “Não está proibida a algema, apenas deve ser justificada, pois, inegavelmente, causa uma impressão negativa frente aos jurados e, ainda, às testemunhas do processo. Isso é muito prejudicial à defesa. Ademais é extremamente constrangedor e humilhante.”

Na mesma matéria, o jornal ouviu o desembargador Diógenes Vicente Hassan Ribeiro, da 3ª Câmara Criminal do TJ/RS, que disse: “No caso do tribunal do júri, existe um simbolismo dos atos que se processam ali. Os jurados são juízes leigos, não são preparados tecnicamente a fazer grandes discernimentos entre o legal e o constitucional. Se deixar uma pessoa algemada sem justificar, eventualmente, isso pode incutir nas demais pessoas que o réu é uma pessoa extremamente perigosa.
No entanto, apesar de o STF já haver sumulado esta questão, como antes referido, decisão que vincula os demais órgãos da Justiça brasileira, é preciso referir que há entendimentos contrários no Tribunal do Estado, uma vez que existem decisões do 2º Grupo Criminal (que reúne desembargadores da 3ª e da 4ª câmaras do TJ) deixando de anular processos mesmo com réus algemados durante o julgamento, sem a devida justificativa.

Se nos casos de julgamento perante o juiz de direito, pelo rito comum, a questão do prejuízo para o réu é mais tênue e difícil de ser comprovado, penso que, no caso do uso de algemas perante o julgamento pelo Tribunal do Júri o prejuízo para a defesa é evidente. Isso porque, neste caso, os jurados são pessoas sem conhecimento técnico e a visão do acusado algemado no banco dos réus provoca neles uma forte e negativa impressão, que certamente influenciará na decisão a ser proferida.
 Além disso, o artigo 474 do Código de Processo Penal, também normatiza a situação, em seu parágrafo 3º, sendo muito claro: “Não se permitirá o uso de algemas no acusado durante o período em que permanecer no plenário do Júri, salvo se absolutamente necessário à ordem dos trabalhos, à segurança das testemunhas ou à garantia da integridade física dos presentes”.

  Por outro lado, no nosso ordenamento jurídico, o artigo 199 da Lei das Execuções Penais (LEP) já previa desde 1984, que o emprego de algemas deveria ser disciplinado por decreto federal, fato que não ocorreu até hoje. Somem-se a isto os princípios insertos em nossa Constituição Federal (1988), sendo o mais importante o princípio da dignidade humana (CF, art. 1º, III), reitor de todos os demais, como a proibição de tratamento desumano ou degradante (CF, art. 5º, III), a inviolabilidade da imagem, da honra e da vida privada (CF, art. 5º, X), bem como as disposições da ONU sobre as “regras mínimas para o tratamento de prisioneiros”, onde está estabelecido que as algemas não devem servir como medida de punição.

Nesse sentido, devem ser elogiadas as decisões do Tribunal de Justiça do Estado que declaram nulos os processos que desrespeitam a Súmula Vinculante nº 11, em especial, naqueles julgamentos realizados perante o Tribunal do Júri, pois a garantia dos direitos fundamentais são a viga mestra de um Estado que respeita os seus cidadãos e a ordem jurídica e democrática.

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