As tamancas da mamãe
Desconheço a denominação e os termos técnicos, todos próprios da construção civil, as diversidades dentre a numerosa gama de material indispensável e fundamental ao erguimento e solidez de um edifício, residencial ou não, desconheço se o concreto para a concepção da laje de cada andar e se dentre os diferentes tipos de tijolos empregados há os que permitam a propagação com maior ou menor intensidade do som do que outros (concreto e tijolos).
Não desconheço, no entanto, que, por prático, é utilizado, sobretudo no nosso litoral, o chamado “piso frio”, abrigado, quando isso é possível, aqui e ali, por um belo tapete de fina estamparia, o que, além de amortecer os ruídos e som dos nossos passos, distingue o bom gosto dos donos da casa. A queda de uma colher para chá, ante a ausência de tapetes, aos ouvidos do morador do pavimento abaixo parecerá, em verdade, ter tombado uma pesada chave-inglesa.
Alguns anos atrás, um estressado amigo me confidenciou que no aniversário da vizinha do apartamento imediatamente acima do seu a presenteou com delicadas e almofadadas chinelinhas, para que ela as calçasse ao chegar a casa, após jornada de trabalho e de aulas no curso universitário. Inteligente, a aniversariante percebeu com bom humor a sutil mensagem: troque os seus sapatos de saltos altos pelas silenciosas chinelinhas.
Refestelado à mesa de uma cafeteria da Avenida Principal, ele agora se queixava da vizinha e seus pequenos rebentos. Não da aniversariante, mas da que reside a dois pavimentos acima do seu.
Sem perder o humor – talvez porque o saboroso café lhe amenizasse os estresses, ele comparava a chegada noturna da mamãe e de seus irrequietos pentelhinhos – como nos antigos filmes de faroeste – ao tropel da cavalaria americana para salvar os colonos dos arcos e flechas dos apaches.
– A madama, dizia ele, parece calçar tamancas, as do português dos velhos armazéns.
Perguntei-lhe, então, se, a exemplo da outra, ele a iria presentear com as silenciosas pantufinhas.
Com o sorriso maroto dos experientes, respondeu-me:
– Ali o “furo” é mais embaixo. Eu correria o risco de levar carga pelas costas…
– Das chinelinhas?
– Não! Das tamancas, mesmo!