Episódio XII de As Crônicas de Aleph - Sergio Agra - Litoralmania ®
Sergio Agra
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Episódio XII de As Crônicas de Aleph – Sergio Agra

O GENERAL CONTRA-ATACA

 Episódio XII de As Crônicas de Aleph

 “Eu nunca guardei rebanhos, mas é como se os guardasse.
Minha alma é como um pastor, conhece o vento e o sol
e anda pela mão das Estações.”

Fernando Pessoa

Em outubro de 1968, quando o Teatro de Arena de Porto Alegre — localizado no porão do edifício Duque de Caxias, com entrada nas escadarias do Viaduto Otávio Rocha — se preparava para a estreia da peça “Os Fuzis da Senhora Carrar”, de Bertholt Brecht, seu diretor recebe uma carta assinada pelo Comando de Caça aos Comunistas — CCC — ameaçando: — “Estamos preparados para liquidar o Teatro de Arena no tempo exato de 1 minuto e 35 segundos“.

Poucas semanas depois, um batalhão do Exército invade o teatro em busca de armas que supostamente seriam usadas na luta armada. Na verdade, são carcaças de fuzis do início do século emprestadas pela Brigada Militar para a montagem da peça teatral. Mesmo assim, o Diretor Jairo de Andrade é espancado e as “armas” são apreendidas.

Na noite da estreia, o teatro lotado, eu me encontrava na plateia. Seria a oportunidade, após anos, do reencontro com Maria do Carmo MB, que interpretava a personagem Manuela.

Os atores empunhavam vassouras em lugar das espingardas e a apresentação já prenunciava mais outra manifestação contra o regime de exceção. Porém, o CCC, braço repressor da ditadura, uma vez mais mostraria sua truculência, desta vez com ordem de prisão aos atores.

Pressentindo a invasão, saltei para a arena cênica e, firmando a mão de Maria do Carmo, tratamos de nos evadir pelos bastidores até uma área de serviço que era conjugada ao prédio vizinho, o Edifício Duquesa, cuja entrada principal também estava localizada nas escadarias, porém havia um acesso secundário no leito da Avenida Borges de Medeiros, sob as arcadas do viaduto. Por ali ganhamos a rua, ilesos, sãos e salvos das garras do autoritarismo de coturnos. Dispus-me levar Maria do Carmo para casa. — “É o pior lugar para onde eu poderia ir agora!” — ela conseguiu dizer ofegante, enquanto corríamos até o ponto de taxi

Pracinha do Cinema Capitólio. Surpreso pela resposta da amiga eu quis saber o por quê. Com um ricto de desprezo e raiva estampados ela esclareceu, — “Foi papai quem instigou a invasão!”. — “E onde pensas em te esconder até que as coisas se acalmem?” —tornei a perguntar. Maria do Carmo mostrava-se decidida, — “Na casa de Suzana. Ela é companheira do grego Agnostopoulos. Lá é a ‘célula’ do pessoal de teatro. São atores que contestam o regime. Eles me dirão o que fazer. Para a minha casa é que não posso mais voltar…”.

— “Esta noite você permanece aqui” — este era Agnostopoulos. — “Amanhã Suzana comprará algumas roupas de viagem para você. — O grego prosseguiu. — Até que a notícia de sua fuga chegue ao DOPS haverá tempo suficiente para embarcar para Santana do Livramento. Em Uruguaiana a rota de fuga sujou e a Ponte Internacional para Paso de los Libres se tornou alvo fácil dos ‘federais’. Por Santana o acesso a Rivera é mais seguro. Lá o companheiro Jose Parodi estará à sua espera no Restaurante el Padriño, na Calle Sarandi. Ele já tem todas as coordenadas para lhe fazer chegar ao Chile, inclusive o ‘passaporte’”.

Dirigindo-se a mim o grego finalizou, — “Como ainda é ‘ficha limpa’, você acompanhará ‘Anahi’ até a fronteira”. Sem entender a quem o homem se referia indaguei, — “‘Anahi’? Quem é ‘Anahi’ ?”. Sem sequer me olhar o grego informou, — “Sua amiga! Maria do Carmo… A quem a você jamais há de esquecer”…

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