Flávio Tavares escreve, eu transcrevo
Pois o jornalista e escritor Flávio Tavares presenteou-nos na edição de Zero Hora de domingo, 9 de agosto, com essa jóia, “Casa de Tolerância”, que decidi, não sem alguma inveja, compartilhar com meus leitores e amigos, caso não a tenham lido naquele jornal. Os grifos são trechos que me redobraram a atenção e reflexão. Saboreiem-no e, sobretudo, façam suas próprias conclusões:
Anos a fio, no recentíssimo século passado, nada foi mais execrado do que os prostíbulos. Criticados em público como “abomináveis”, no entanto, fervilhavam de homens que, lá dentro, esqueciam a indignação e se refestelavam comprando prazer com moeda fácil. Homem que homem fosse tinha de atacá-los e, também, frequentá-los em gesto de hombria. No nordeste do Brasil, prefeito, juiz e delegado de polícia se uniam ao vigário para combater os bordéis. A começar pelo reverendo, todos eles, porém, tinham dias exclusivos de frequência – eram gente de respeito e não se misturavam ao populacho!
No Sul, nunca chegamos a tais exclusividades. Até no farisaísmo, éramos diferentes. Nossos chefes políticos ou religiosos eram caudilhos abertos, que tomavam mate com os de baixo em situação de igualdade, simulada mas respeitosa.
Hoje, a modernidade acabou com os prostíbulos das “madames”. Tudo é por conta própria e, até na prostituição, cada quem se vira como “empresa individual”.
Os dois grandes escândalos políticos de agora – o do Senado Federal e o das milionárias fraudes no Detran, aqui –¬ lembram a hipocrisia que rodeava os velhos prostíbulos.
Nossa primeira mulher-governadora encabeça, ao lado do ex-marido, a lista dos nove envolvidos numa série de delitos organizados, a que o povo chama de “roubo”. Nela, gente de quatro partidos (PSDB, PMDB, PP e PDT) diversos entre si como o prefeito e o reverendo vigário com dias exclusivos no bordel.
Nunca houve algo sequer similar. Desde que Leonel Brizola deixou o Piratini, em janeiro de 1963, tivemos governadores medíocres, sem exceção, impostos ou eleitos. Nenhum deles, porém, pecou pela soberba ou maculou-se com a suspeita, como agora.
Nessa mixórdia, o que será mais doloroso? De um lado, o envolvimento de Yeda Crusius desfaz a visão histórica de que a mulher é um ser ético superior, com estoicismo e capacidade de sacrifício que os machos mais másculos não têm. Onde está a sensibilidade feminina, sutil e forte, com moral inata e profunda, oriunda da capacidade de ser mãe? De outro, mancomunados na fraude, estão deputados, assessores íntimos da governadora, um vice-presidente do Banrisul e – pasmem! – o presidente do Tribunal de Contas…
Todos eles, no fundo, delatados à Polícia Federal por um dos cúmplices na trama, o qual, assim, traiu duas vezes – ao Estado, como funcionário, e aos comparsas.
A mesquinharia e a mentira caracterizam nossa política, mas nunca chegáramos aos níveis degradantes dos escândalos no Senado. Há anos, sabia-se em Brasília que aquilo era um entulho de negociatas burocráticas, com 7 ou 10 mil funcionários e meia dúzia de poderosos senhores feudais, mas nenhum dos 81 senadores importou-se com isso. Para que piar? De uma ou outra forma, os 81 se beneficiavam disso.
Na gestão de três presidentes, pelo menos (ACM, do PFL, hoje DEM, Jader Barbalho e Renan Calheiros, do PMDB), o esgoto fétido veio à tona. Mas, após as denúncias da imprensa, tudo se concentra em pedir a renúncia de José Sarney, como se ele fosse o único feiticeiro.
Dos três senadores gaúchos, Paulo Paim e Sérgio Zambiasi, eleitos em 2002, seguem mudos. O outro, Pedro Simon, é senador antigo, eleito em 1978 (com breves interrupções como governador e ministro), só superado em tempo de casa pelo próprio Sarney, mas apenas agora critica o que conhece há 30 anos.
Todas as ilegalidades da presidência do Senado foram votadas e aprovadas pelos senadores. Sempre por unanimidade. Na votação sumária (“os que aprovam, permaneçam como estão”), ninguém se mexeu na poltrona. Ou a poltrona estava vazia e os senadores ausentes, com presença apenas “virtual”.
Tudo se tolerava, mesmo não sendo casa de tolerância.