João e Maria continuam nas trevas
Não obstante, no dia 4 de junho daquele ano, um talentoso e visionário jovem, Ronald Radde, fundava a Cia. Teatro Novo, de Porto Alegre, a mais antiga em atividades ininterruptas do Brasil.
Iniciada em um período obscuro da história recente do Brasil – “os anos de chumbo” – a Cia. sofreu cortes e censura da ditadura militar em suas produções iniciais. A peça “João e Maria nas Trevas” (1968), foi a primeira escrita e dirigida por Radde.
“Dois irmãos, João e Maria. Pai e mãe “submissos ao” destino”: trabalhar a vida toda na terra dos patrões, sem acesso à informação, analfabetos. quase passando fome, apesar das ricas colheitas. Surge uma luz: um veterinário, contratado por fazendeiros da região resolve montar à noite uma espécie de “escola” e dar algumas aulas de alfabetização para os camponeses. Maria não vai. João encontra nos primeiros livros que soletra saídas inimagináveis. O veterinário passa a ser odiado pelos fazendeiros e pelo pai de João que nota no filho diferença de posturas, diante da sua autoridade e da dos patrões. Maria é praticamente violentada pelo filho dos patrões. Não quer ficar mais ali e foge. Vira prostituta na cidade grande. João resolve ficar, pois é ali o seu lugar. O lugar que deseja ajudar a mudar”.
Esta peça teve sua exibição proibida na noite de estreia.
Entretanto, o idealismo, o profissionalismo e a excelência da Cia. Teatro Novo foi essencial para a superação destes obstáculos e para que a companhia se tornasse uma das mais premiadas e notórias do país.
Após “João e Maria nas Trevas”, seguiram se “A Fossa”, “Transe”, “B… em Cadeiras de rodas”, “Apaga a luz e faça de contas que estamos bêbados”, todas de cunho político-social. Mas Radde, na sua versatilidade, incursionou também no teatro infantil com as peças “Os Saltimbancos”; “Histórias de Bruxa Boa”, “O Mágico de OZ”; “Peter Pan”; “A Bela e a Fera”; “Caravana da Fantasia”, “O Patinho Feio”; e, mais recentemente, “Para Sempre Terra do Nunca”.
Na sexta-feira, dia 7, num evento repleto de música, arte e emoções, fui abraçar Ronald Radde e a minha saudosa Cia. De Teatro Novo onde, há 44 anos, vesti a roupagem do Beto, um malandro, gigolô e dublê de traficante, na peça “A Fossa”.
A noite já ia alta e o coração num transbordamento de emoções quando deixei o Teatro. Isso, no entanto, não serviu para apagar a realidade de que João e Maria continuam nas trevas.
Em trevas mais lúgubres e silenciosas…