Judiciário quer avaliar e exonerar servidores com desempenho insatisfatório
Tramita na Assembléia Legislativa um projeto de Lei Complementar (PLC), de autoria do Poder Judiciário, que estabelece um sistema de avaliação anual de desempenho dos servidores estáveis da Justiça de Primeiro Grau e do Quadro de Serviços Auxiliares do Tribunal de Justiça e da Justiça Militar do Estado do Rio Grande do Sul. O PLC prevê a exoneração do funcionário que tiver o desempenho considerado insatisfatório por duas vezes seguidas ou três intercaladas. A matéria divide opiniões entre os deputados estaduais.
Poderes
De acordo com a secretária-adjunta e diretora geral da Secretaria Estadual de Administração e dos Recursos Humanos, Carla Poeta Possap, o Estatuto dos Servidores Públicos Civis do Rio Grande do Sul (Lei Complementar 10.098/1994) não prevê a perda do cargo público por desempenho insuficiente do servidor. Esta lei vale para os funcionários dos três Poderes. Carla observa que o Executivo, através de cada secretaria, realiza avaliações anuais de desempenho também previstas no Estatuto. “Existe uma avaliação de desempenho, mas ela é utilizada basicamente para as promoções, não para vir a dispensar alguém”, explica.
Estabilidade
Alguns parlamentares consideram que a medida fere o princípio da estabilidade do servidor público. “Esse projeto está numa linha que o próprio Fernando Henrique Cardoso imprimia na reforma do Estado: é a idéia da possibilidade de quebrar a estabilidade do servidor. Nós vemos isso com muita reserva”, afirma o vice-líder da bancada do Partido dos Trabalhadores, deputado Elvino Bohn Gass.
Para o deputado Raul Carrion (PCdoB), “a estabilidade do funcionário público é um princípio republicano básico, não é um privilégio. É uma defesa da sociedade que não pode ter os agentes públicos submetidos a pressões políticas ou de outro tipo”. Carrion acredita que a avaliação proposta pelo projeto “permitirá que um servidor que participou em greves, é mobilizado, é ativo, comece a receber conceitos desfavoráveis”.
O presidente da Federação Sindical dos Servidores Públicos do Estado do Rio Grande do Sul (Fessergs), Sérgio Arnoud, também não concorda com nenhuma medida que atinja a estabilidade do servidor e, por isso, vai verificar existência de possíveis inconstitucionalidades no PLC. “A Fessergs entende que qualquer tentativa de flexibilização é prejudicial aos servidores que já vêm perdendo direitos desde 1988. A Federação entende ainda que essa proposta pode encaminhar a privatização dos serviços públicos”, afirma Arnoud.
Contrário a essas teses, o líder do PTB, deputado Cassiá Carpes, considera que a medida não terá como conseqüência a perseguição política. “Eu vejo como uma boa novidade para o funcionalismo. Nós precisamos mudar a cultura. Isso não quer dizer que vamos ter uma caça às bruxas”, diz. Carpes destaca que o próprio projeto de lei complementar prevê a presença de uma Comissão de Avaliação dos Servidores, que poderá equilibrar as relações entre quem está avaliando e o funcionário avaliado.
Na opinião do líder dos Democratas, deputado José Sperotto, a questão da estabilidade do servidor pode ocasionar problemas de qualidade no serviço público “Muitas vezes a gente vê que, após o concurso público, o funcionário acaba não desempenhando sua função com pleno êxito por ter estabilidade no cargo. Quero dizer que isso não é generalizado, são casos pontuais que devem ser avaliados por uma comissão competente”, diz.
Líder do governo na Assembléia, o deputado Adilson Troca (PSDB) segue a mesma linha de avaliação do deputado José Sperotto. “Eu sou totalmente favorável a que o funcionário que entrou por concurso público possa ser demitido se não desempenhar o seu serviço a contento. A estabilidade é uma questão importante. Agora se a pessoa não dá a sua parcela de contribuição por aquilo que recebe, ela tem que ser demitida”, avalia.
Na justificativa ao PLC, o Poder Judiciário explica que a Consituição Federal “permite a flexibilização do princípio da estabilidade no serviço público, estabelecendo a possibilidade de o servidor público perder o cargo mediante procedimento de avaliação periódica de desempenho, na forma da lei, assegurada ampla defesa”. O texto acrescenta que “embora a estabilidade do servidor seja indispensável para a continuidade do próprio serviço público, não pode servir de amparo aos que não apresentam desempenho satisfatório”.
Critérios
Também existe entre alguns parlamentares a opinião de que o projeto propõe critérios “subjetivos” para a análise do desempenho dos funcionários. “Por exemplo, produtividade no trabalho. Como é a produtividade de um servidor da Justiça no trabalho em Bossoroca , um pequeno município, ou em Porto Alegre numa vara altamente solicitada?”, questiona o deputado Raul Carrion. O vice-líder da bancada do PT complementa: “servidores de certas comarcas que estão superlotadas, por causa de deficiências estruturas, vão acabar sendo avaliados como insatisfatórios” .
O líder do PSB na Assembléia, deputado Miki Breir, também vê com ressalvas a forma como a avaliação será feita. “Acho que a idéia de avaliação de desempenho é importante. A questão é não cair muito na subjetividade. Temos que ter esse cuidado, é preciso haver uma avaliação com critérios. Isso, depois, em futura regulamentação, tem que aparecer claramente”, afirma.
Qualificação
Para alguns parlamentares, a avaliação permanente dos funcionários trará qualificação e maior eficiência ao serviço público. “Vai se qualificar melhor o funcionário, ele será estimulado a fazer um trabalho condizente com aquilo que ele ganha, com a sua responsabilidade. Naturalmente quem vai ganhar é a instituição. A Justiça vai ser um exemplo para outras instituições”, avalia o líder do PTB, deputado Cassiá Carpes.
Os deputados José Sperotto (DEM) e o líder do PMDB na Assembléia, deputado Márcio Biolchi, têm opinião semelhante à de Cassiá Carpes (PTB). “O Poder Judiciário está dando um passo fundamental e de muita importância para que nós possamos ter uma prestação de serviço público ainda melhor. Espero que os poderes Executivo e Legislativo possam tomá-lo como exemplo”, afirma Sperotto.
Biolchi complementa: “o norte da idéia não é a questão da ameaça de exoneração, mas sim a qualificação do serviço público. A gente sabe que hoje a máquina do Estado, incluindo todos os Poderes, é grande, com uma competência também considerável. E toda a iniciativa que busque a eficiência tem que ter aplaudida”.
Saiba mais sobre o projeto
Dez critérios compõem a avaliação anual de desempenho dos servidores estáveis da Justiça de Primeiro Grau e do Quadro de Serviços Auxiliares do Tribunal de Justiça e da Justiça Militar do Estado, de acordo com o PLC. Entre eles, estão produtividade no trabalho, iniciativa, cumprimento das normas do cargo, assiduidade, pontualidade e administração do tempo.
A avaliação deverá ser realizada pelo chefe imediato do servidor e terá como conceito “plenamente satisfatório”, quando o desempenho do funcionário atingir 90% ou mais da pontuação; “satisfatório”, quando o percentual foi de 60%; “pouco satisfatório”, no caso de 40% e “insatisfatório”, quando a avaliação não alcançar nem 40% da pontuação.
No caso dos conceitos pouco satisfatório ou insatisfatório, o projeto prevê medidas de correção como o treinamento do servidor. O funcionário tem direito a contestar a avaliação, apresentando defesa escrita, além de juntar documentos e requerer a produção de provas.