Na última vez em que vi Paris
Vislumbro, da janela do quarto de hotel, no 4 Rue De Valois, 01. Louvre – Châtelet, o Jardin des Tuileries, tal cauda infinita do alvo e virginal traje nupcial.
Não muito distante, está o imponente Museu do Louvre. Meu projeto era aproveitar a terça-feira de intenso frio e percorrer as silenciosas galerias. No entanto, desde as horas primeiras da manhã, ouço ao longe o que parece ser uma melodiosa canção. Afinal, Paris também não é o berço das Chansonneries?
Esta canção, que ainda não distingo, me desvia o pensamento de qualquer algo palpável. Ela me leva através, das pequenas ruas e pela Pont Neuf, até a Ille de La Cité.
Aos poucos, a canção vai ganhando formas. Ela se sobrepõe às minhas vontades. Sequer sinto o torpor de meus pés ao contato com as calçadas geladas. Flocos impiedosos fustigam meus olhos, mas a força pungente dessa canção mitiga qualquer indício de dor. Há o som do piano que cadencia o andamento. Já quase escuto a voz de quem a canta: ...non… …non… rien…
Cruzei, num desvario, a cidade de um extremo a outro. O piano cadenciando meus passos, cada vez mais rápidos: um… um, dois, um dois, um dois… um… um, dois, um, dois…
Esbarro na anônima multidão de viajantes que deixa a estação: Gare Du Nord!
Da plataforma, avisto o imenso bólido que inicia a partida. Numa das janelas vislumbro tua imagem, triste, solitária, que sequer sabe que rumo terá aquele trem. No instante derradeiro, ergues o olhar e me envias a mensagem que Piaf, na canção, agora sim, tonitruante, carrega em si:
Non, rien de rien,
non, je ne regrette rien.
Car ma vie, car mes joies,
Pour aujourd'hui
ça commence avec toi*
* não, nada de nada / não, eu não lamento nada / porque minha vida, minhas alegrias para hoje / começam com você –
“Je ne regrette rien” – Michel Vaucaire / Charles Dumont.