No caminho do exílio – Sergio Agra

Sergio Agra

NO CAMINHO DO EXÍLIO

Capítulo XIX Da Série As Crônicas de Aleph

Imerso nessas lembranças Aleph não percebeu que o trem havia estacionado na pequena estação com ramal. Uma composição trafegando em sentido contrário estava prestes a chegar, deixando assim o trajeto livre para o Pampeiro. Com a súbita parada do comboio Maria do Carmo emergiu do sono profundo em que até então estivera mergulhada.

Chamando por Aleph perguntou, — “Tens fome?.” — “Apenas sede!”. Maria do Carmo externou receios, — “Não devemos sair. Corremos o risco de sermos vistos”. Aleph sabia que a condição de fugitiva era somente da amiga, por isso tratou de tranquiliza-la, — “Vou ver se consigo algo para bebermos. Não sai daqui!”.

Pouco depois ele retornava para a companhia da parceira trazendo uma pequena garrafa com água mineral. Maria do Carmo trouxe Aleph uma vez mais para junto de si, — “Faz frio, ainda— estendendo-lhe a manta fez o convite — Vem e te aquece. E trata de comer um pedaço deste sanduíche que Suzana teve a lembrança de fazer”. Aleph admirava cada vez mais aquela mulher.

Agradeceu com sinceridade o alimento ofertado mas insistiu para que ela o comesse. Afinal, era aquele pequeno sanduíche o único alimento que ela trouxera. Por outro lado, eles ignoravam o que ainda viria pela frente. Resoluta, a jovem entregou uma das metades ao amigo.

Como se estivesse lendo um pergaminho invisível Maria do Carmo recitou, — “Os budistas repartem o manto que lhes agasalha e a comida de sua tigela com os que têm frio e fome. Isso para eles símboliza a verdadeira comunhão do corpo e da alma”.

Finalmente o trem alcançou a gare da estação de Santana do Livramento. Dali até a Fronteira da Paz e a Calle Sarandi em Rivera era uma caminhada de poucos minutos.

O restaurante El Padriño não se mostrou difícil de ser encontrado. No recinto ainda vazio via-se somente a figura de um homem corpulento, folheando A Plateia, o semanário da cidade brasileira. Ao avistar os recém-chegados ele não demonstrara surpresa. Jose Parodi apressou-se em informar que o tempo urgia.

Não havia espaço para longas despedidas. Na calçada em frente ao restaurante Maria do Carmo pediu a Aleph que este intercedesse por ela junto à mãe, — “Fui muito injusta com ela. Aleph tratou de serená-la, — “Tua mãe há de entender.O mesmo não posso dizer quanto a teu pai”. A futura exilada lembrou com tristeza o dia anterior quando Dona Alice aos risos dissera-lhe, — “Merda! Não é assim que vocês atores dizem para o sucesso da estreia?”.  O semblante de Maria do Carmo demonstrava amargura, — “Não dei ao menos um beijo de despedida…”. Aleph garantiu que assim que chegasse a Porto Alegre ligaria para Dona Alice, — “Direi a ela que tudo correu bem e que seguiste na companhia de amigos para o Chile”. Maria do Carmo passou naquele instante a ter a noção da real extensão dos fatos, — “Não sei se tão cedo poderei me comunicar com ela sem correr riscos…”. Aleph a encorajou, — “Dona Alice há de sentir orgulho da filha corajosa que tem!”. Ambos permaneceram calados por um ou dois minutos. Foi Aleph quem rompeu o silêncio, — “Vou sentir muito a tua falta”. Não sem algum embaraço Maria do Carmo logrou confessar, — “Também vou sentir… e isso nem o tempo irá desfazer… Dúvidas voltaram a dominar os pensamentos do rapaz, — “Não tenho tanta certeza… Agora era ela quem se mostrava mais forte, — “Mas é assim que eu sinto como será comigo…”. Após o delicado beijo que depositou nos lábios de Aleph e sem olhá-lo nos olhos ela revelou os sentimentos que lhe comprimiam o peito, — “Jamais vou esquecer o quão importante és para mim…”.

E iniciou, guiada por Jose Parodi, a longa e amarga caminhada pela Calle Sarandi que a levaria ao exílio, sem sequer imaginar que carregava dentro de si o fruto do mais puro amor…

https://www.youtube.com/watch?v=SGXkjZ_XhUk

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