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Novelas brasileiras passam imagem de país branco, critica escritora

“Temos medo do Brasil.” Foi com um desabafo inesperado que a romancista moçambicana Paulina Chiziane chamou a atenção do público do seminário A Literatura Africana Contemporânea, que integra a programação da 1ª Bienal do Livro e da Leitura, em Brasília (DF). Ela se referia aos efeitos da presença, em Moçambique, de igrejas e templos brasileiros e de produtos culturais como as telenovelas que transmitem, na opinião dela, uma falsa imagem do país.

“Para nós, moçambicanos, a imagem do Brasil é a de um país branco ou, no máximo, mestiço. O único negro brasileiro bem-sucedido que reconhecemos como tal é o Pelé. Nas telenovelas, que são as responsáveis por definir a imagem que temos do Brasil, só vemos negros como carregadores ou como empregados domésticos. No topo [da representação social] estão os brancos. Esta é a imagem que o Brasil está vendendo ao mundo”, criticou a autora, destacando que essas representações contribuem para perpetuar as desigualdades raciais e sociais existentes em seu país.

“De tanto ver nas novelas o branco mandando e o negro varrendo e carregando, o moçambicano passa a ver tal situação como aparentemente normal”, sustenta Paulina, apontando para a mesma organização social em seu país.  

A presença de igrejas brasileiras em território moçambicano também tem impactos negativos na cultura do país, na avaliação da escritora. “Quando uma ou várias igrejas chegam e nos dizem que nossa maneira de crer não é correta, que a melhor crença é a que elas trazem, isso significa destruir uma identidade cultural. Não há o respeito às crenças locais. Na cultura africana, um curandeiro é não apenas o médico tradicional, mas também o detentor de parte da história e da cultura popular”, detacou Paulina, criticando os governos dos dois países que permitem a intervenção dessas instituições.

Primeira mulher a publicar um livro em Moçambique, Paulina procura fugir de estereótipos em sua obra, principalmente, os que limitam a mulher ao papel de dependente, incapaz de pensar por si só, condicionada a apenas servir.

“Gosto muito dos poetas de meu país, mas nunca encontrei na literatura que os homens escrevem o perfil de uma mulher inteira. É sempre a boca, as pernas, um único aspecto. Nunca a sabedoria infinita que provém das mulheres”, disse Paulina, lembrando que, até a colonização europeia, cabia às mulheres desempenhar a função narrativa e de transmitir o conhecimento.  

“Antes do colonialismo, a arte e a literatura eram femininas. Cabia às mulheres contar as histórias e, assim, socializar as crianças. Com o sistema colonial e o emprego do sistema de educação imperial, os homens passam a aprender a escrever e a contar as histórias. Por isso mesmo, ainda hoje, em Moçambique, há poucas mulheres escritoras”, disse Paulina.

“Mesmo independentes [a partir de 1975], passamos a escrever a partir da educação europeia que havíamos recebido, levando os estereótipos e preconceitos que nos foram transmitidos. A sabedoria africana propriamente dita, a que é conhecida pelas mulheres, continua excluída. Isso para não dizer que mais da metade da população moçambicana não fala português e poucos são os autores que escrevem em outras línguas moçambicanas”, disse Paulina.

Durante a bienal, foi relançado o livro Niketche, uma história de poligamia, de autoria da escritora moçambicana.

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