O culto à violência
Causa-nos, mais do que simplesmente estupefação, indignação, lermos que o matador de dezesseis anos, assassino confesso de doze pessoas no Vale do Sinos não é um serial killer, nem um psicopata, porém, um garoto que apresenta transtorno de conduta, um tipo de perfil definido popularmente como comportamento inadequado, causado por educação indevida e carência de limites, sendo, assim, segundo os analistas, um ser recuperável.
A conclusão acima é o resultado de avaliação realizada por uma junta de especialistas da Fundação de Atendimento Sócio-educativo (Fase) em cinco áreas: medicina clínica, psiquiatria, neurologia, psicologia e educação.
Quem somos nós, leigos, para colocar sob suspeita, a avaliação de junta com tamanha envergadura? Por mais difícil que seja assimilar as conclusões desta avaliação não temos as ferramentas indispensáveis para tal julgamento.
O transtorno de conduta tem, sobretudo, fundamentação no histórico familiar, bem como, no caso do rapaz de Novo Hamburgo, no histórico escolar. No meio familiar, ele teria sofrido seguidas agressões por parte dos parentes. No ambiente colegial, teria sido agredido por colegas. Tudo isso, provavelmente, contribuiu para o perfil demasiado violento, numa trajetória coerente com o ambiente em que cresceu, haja vista não ter tido exemplos adequados e não conheceu limites, o que nos ajuda a compreender os crimes que praticou.
Poderíamos considerar que o histórico familiar dos parentes e dos ascendentes deste jovem possa ser semelhante entre si. Se aqueles não enveredaram na senda do crime – o que não temos a convicção – talvez tenha sido em razão de algum eivo de temor ou que tal situação não se oportunizara de uma forma mais concreta.
Não são apenas fatores estruturais, sócio-econômicos, a evasão escolar, o desemprego que tornam solo fértil para a delinqüência e criminalidade. Se ligarmos a televisão em qualquer canal que exiba filmes produzidos nos Estados Unidos, provavelmente veremos cenas violentas (inclusive nos desenhos animados, dirigidos às crianças), ou de julgamentos em tribunais. A violência é tão americana quanto a torta de maçã; e eles, que só pensam em processar e julgar os outros, sejam pessoas ou nações, recusam-se, por outro lado, a submeter-se a qualquer jurisdição externa.
Há poucos dias, numa localidade ao sul do Estado da Geórgia, grupo de alunos de apenas oito a dez anos, portadores de problemas de aprendizagem, déficit de atenção e hiperatividade, engendrou plano para atacar professora, porque esta havia chamado a atenção de um deles por ter ficado em pé na cadeira. A polícia apreendeu em poder das crianças facas, um peso para papéis, um par de algemas e fita adesiva. O plano era imobilizar a professora e, após, esfaqueá-la.
Existem adolescentes com dificuldades e patologias importantes e graves distúrbios de conduta, assim como existem crianças e adultos doentes. A respeito disso, a psicanalista Luciane Falcão questiona: “Mas passamos agora a considerar que o normal é a patologia?”
A psicanálise entende que o ser humano tem potencial para a vida, a criatividade e a ligação, mas também para o desligamento e a destruição. Ainda no entender da especialista, há a necessidade de essas duas forças entrarem num acordo para que a vida possa seguir relativamente harmoniosa.
Ao fim e ao cabo, ainda que arvorados na nossa reconhecida laicidade, ousamos opinar: o homem há tempos esqueceu o culto dos afetos.