O culto da violência – II
No dia 7 de fevereiro de 2007, o Brasil foi alvo de intensa comoção, ante a notícia da morte do menino João Helio, de 7 anos de idade, com requintes de extremada barbárie. Cinco homens roubaram o carro da mãe da criança e partiram com o veículo antes que o garoto fosse retirado, arrastando-o pelas ruas do Rio de Janeiro por sete quilômetros. Durante as investigações, quatro homens e um adolescente foram detidos e confessaram o crime.
Em que pese a banalização da violência, este crime mexeu com os brios das autoridades. A antiga Lei de Execução Penal, em seu art. 112, exigia o cumprimento integral em regime fechado de apenas um sexto da pena, para o efeito da progressão de regime. Algo de extrema urgência precisava ser feito.
O parágrafo 2º do artigo 2º da Lei 8.072/1990, introduzido pela Lei 11.464/2007, para a progressão de regime exige, nos crimes hediondos e equiparados, o cumprimento (diferenciado) de 2/5 da pena (40%), se o apenado for primário, e de 3/5 (60%), se reincidente. Antes, a única regra geral sobre o assunto era o artigo 112 da Lei de Execução Penal (que fala em 1/6 da pena). Essa regra geral continua vigente e válida para todas as situações de progressão.
Em 29 de março de 2007, foi publicada no Diário Oficial da União a Lei 11.464/2007, entrando em vigor naquela mesma data. Cuidando-se de norma processual penal com reflexos penais, em sua parte prejudicial (novatio legis in peius) só vale para delitos ocorridos dessa data em diante. Em outras palavras: o tempo diferenciado de cumprimento da pena para o efeito da progressão (2/5 ou 3/5) só tem incidência nos crimes praticados a partir do primeiro segundo do dia 29/03/07.
Os assassinos de João Hélio, numa demonstração de que a Justiça, querendo, pode ser ágil, foram a julgamento e, no dia 30 de janeiro deste ano foram condenados a penas que variaram entre 39 e 45 anos, totalizando, no conjunto, 167 anos. Infelizmente, pelo princípio do novatio legis in peius, aqueles quatro assassinos terão direito à progressão de regime daqui a sete, e não a dezesseis anos como prevê a legislação ora vigente. João Hélio é um divisor de águas: tudo se resume a antes e depois de João Hélio.
Não obstante, nossos lares continuam invadidos pelas notícias da violência. A vítima da hora é a garotinha Isabella Nardoni, de apenas cinco anos, jogada, ainda com vida, da janela do apartamento de seu pai, no sexto pavimento, após ter sido barbaramente espancada e estrangulada. As suspeitas recaem sobre as pessoas do pai e da madrasta da menina.
Retorna, pois o fantasma da banalização da violência. Com espantosa freqüência, ela tem sido parte do nosso cotidiano. E este crime é o mais autêntico retrato do descontrole dos impulsos agressivos e da brutalidade. Por que? O que pode realmente explicar semelhante comportamento? O que levaria um ser humano dotado de força e inteligência a prevalecer-se de um pequeno e desprotegido ser de sua própria espécie? E, o pior, de seu próprio sangue? Será que, para esses dois suspeitos – pai e madrasta – far-se-á o mesmo diagnóstico do matador de 16 anos, assassino confesso de 12 pessoas, de que Alexandre e Ana Carolina não são portadores de psicopatia, porém, apresentam transtornos de conduta, um tipo de perfil definido popularmente como comportamento inadequado, causado por educação indevida e carência de limites, sendo, assim, segundo os analistas, pessoas recuperáveis?
Então, rasguemos todos os códigos!