O “dono da bola”

Quando eu era garoto, e isso ainda foi no Século passado, joguei “peladas” no campinho. Fui um razoável volante. Uma vez de posse do “balão de couro”, um pouco à frente da linha imaginária do que seria a grande área do nosso time, tratava de armar e distribuir a jogada.

Tínhamos nossos apelidos: Cupim, Macaco, Careca, Pauleco, Bruxo, Jéco, Cuequinha, Polaco, Lisca e, o “dono da bola”, o Pavão. Sim, como em tudo, alguém sempre quer ser o “dono da bola”. E, no caso, o emplumado do Pavão era esse alguém. Se o Pavão não jogasse, não haveria bola. Em não havendo bola, não acontecia a pelada.

Nossa “quadra de esporte” não passava de um terreno baldio, e, como tal, um tanto acidentado, mas que se prestava para as nossas memoráveis pelejas. Fardamento era algo dispensável: eram os “sem camisas” contra os “descamisados”; quando muito, um roto calção, ou uma velha bermudinha e um “conguinha” ou “kichute” para proteger os pés dos poucos privilegiados. O Pavão, é lógico, era um deles.

Não sei quem o apelidou. Acho que o Pavão já nascera pensando em ser “pavão”. Por ser o “dono da bola”, julgava-se intocável, insubstituível. Falava alto e chiava a cada letra “s” pronunciada. Se o companheiro de equipe errasse ou perdesse o lance, esbravejava, fazia caretas que deixavam o infeliz órfão de pai e mãe. Jogava em todas as posições; aliás, onde estava a bola, ele lá também se encontrava. Não tanto por desprendimento, por garra, muito menos solidariedade. Ah, isso, jamais! É que, por ser o “dono da bola”, entendia que só a ele competia a posse. A posição em que ele mais gostava de jogar era mesmo a de atacante e chutar em gol. E tanto chutava que, o que mais realmente ele fazia era gol contra, para desespero do nosso goleiro, o Pastor.

Ah, eu não havia falado nele, ainda? É que o Pastor, um sujeito dócil, solícito, leal, e por estas maravilhosas virtudes, quando perguntavam quem iria jogar no gol, era sempre ele, o Pastor, o escalado. Bom camarada, o Pastor!
Dependíamos dos humores do Pavão, sempre dos mais instáveis. A ele competia a escalação do time. Quem não rezasse pela sua cartilha podia se considerar um excluído, fora do jogo. O Pavão fazia e desfazia, afinal, era o “dono da bola”. E o foi por muito tempo, até que…

Tamanha era a ânsia em somente atacar, atacar e atacar que numa partida contra o temível time da Baronesa o Pavão fez seis golos…

Contra!

Foi o que bastou! Bruxo foi o primeiro, Cuequinha, logo em seguida. Depois, foram Jéco e Polaco. Um a um dos heroicos componentes do time abandonou o Pavão e sua bola. Ele que fosse jogar com as paredes. É foi o que, realmente, aconteceu: na temporada seguinte, Pavão ficou sozinho!

Mas não largou a “bola” até hoje!

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