O Estatuto das Cotas – para somar ou dividir?
A Lei 10.639, de 09/01/2003, estabelecia, inicialmente, 40% de vagas, cotas para os negros (entendidos pretos e pardos), 50% de vagas para estudantes oriundos de escolas públicas e mais 5% de vagas para alunos deficientes ou pertencentes a outras minorias. No vestibular de 2004 em função das discussões nas universidades e de campanha na mídia marcada por posicionamentos contrários às cotas a lei passou por reformulações até chegar aos percentuais hoje conhecidos.
A Lei de Cotas e o Estatuto da Igualdade Racial são monstruosidades jurídicas que atropelam a Constituição – ao tratar negros e brancos de forma desigual – e oficializam o racismo. Vale lembrar que não existe sequer uma lei brasileira que estabeleça ou estimule a distinção entre pessoas devido à cor da pele. A discriminação existe no dia-a-dia e precisa ser combatida: porém, essas leis, ao entrarem em vigor, colaboraram para a construção legal de um país dividido. Apoiar-se no critério de raça é um disparate científico: segundo os cientistas, os genes que determinam a cor da pele de uma pessoa são uma parte ínfima do conjunto genético humano – apenas seis dos quase 30.000 que possuímos.
Ao exigir, por exemplo, que certidões de nascimento, prontuários médicos e outros documentos oficiais informem a raça de seu portador, o Estatuto da Igualdade Racial está na verdade desprezando uma longa tradição de mistura e convivência em prol de categorias raciais estanques. É, na prática, um exercício de discriminação racial, sancionado pelo estado. Em todas as partes onde isso foi tentado, mesmo com as mais sólidas justificativas, deu em desastre. Tentar explicar as diferenças intelectuais, de temperamento ou de reações emocionais pelas diferenças raciais é não apenas estúpido como perigoso.
Num país dividido entre “brancos” e “negros” pela lei, como seriam tratados os mestiços?
Essa é outra questão polêmica. Sendo os filhos da miscigenação, definidos como “pardos”, descendentes em geral de africanos e de europeus, impõem-se uma questão importante: por que eles deveriam ser considerados apenas “negros”? Os projetos de lei não prevêem lugar para eles que não o “preto” ou “branco”. Além disso, é preciso lembrar que os sistemas de cotas pretendem beneficiar apenas aqueles identificados como “negros”. Pardos e negros, somados, representam, sim, a maioria dos pobres brasileiros. Mas o contingente de brancos pobres também é enorme. Como justificar uma política de avanço “racial” que deixaria para trás a massa de brancos pobres?
Soma, subtrai, noves fora, deu no que deu: – a Universidade Federal de Santa Maria cancelou, na última semana, a matrícula de Tatiana Oliveira, 22 anos, aprovada no vestibular 2009 para o curso de Pedagogia, que se audodeclarara como parda em sua ficha de inscrição. A Reitoria, no entanto, colocou em dúvida aquela declaração, alegando que sempre que houver dúvida, em qualquer das modalidades de cotas (afro-brasileiro, indígena, estudante de escola pública, portador de deficiência ou necessidades especiais), o estudante pode ser chamado, mesmo que já esteja cursando a faculdade. Para a Universidade, a estudante jamais se considerou parda, valendo-se dessa prerrogativa tão-somente para o ingresso através da prova vestibular.
Tatiana irá buscar seus direitos perante a Justiça, certamente, com pedido liminar, garantindo-lhe, assim, o direito de permanecer em sala de aula. Pelo andar da carruagem do Judiciário, quanto tempo transcorrerá até decisão final? Desgastam-se ambas as partes, sobretudo Tatiana, que será vista pelos colegas – até que fique definitivamente esclarecida a autenticidade de sua declaração – sob a ótica da suspeição.
Enquanto isso, o malfadado Estatuto permanece vigendo.