O guerreiro de Bagé

A Legalidade, com sobradas razões, foi lembrada e reverenciada nestes últimos dias em comemoração ao seu cinquentenário. A mídia do Rio Grande não poupou espaços e, aqui no “Litoral”, li os excelentes artigos de Suely Braga, Ener Machado e Fábio Mariani, exaltando Brizola, sua figura de estadista e decisiva para o triunfo daquele memorável episódio da nossa vida republicana.

Foi lembrado também o general Machado Lopes, comandante à época do III Exército que, após oscilar, acabou por aderir ao movimento. Contam que, quando o general telefonou a Leonel Brizola, no meio da efervescência dos acontecimentos, pedindo uma audiência, o governador desconfiou que o militar fosse até o Palácio para dar um ultimado: “Renda-se!”.
Brizola estava preparado e diria: “Pois está dado o ultimato. Agora, general, aqui está o telefone. Entre em contato com os seus subordinados. Diga-lhes que a ordem foi transmitida, mas que o senhor daqui não sai; está preso. E irá sucumbir conosco, caso o Palácio seja bombardeado”.

Mas o general aderiu, o cenário se modificou, a Legalidade triunfou, o presidente foi empossado nas condições que todos conhecem, ficando para a história o comportamento de Machado Lopes como cumpridor da ordem e da Constituição – ainda que meio a contragosto…

Dois anos e meio depois, em 64, outro general, filho de Bagé, participou de uma passagem significante contra o golpe que triunfou. No dia 31 de março, no QG do Ministério da Guerra, no Rio, chegando ao seu gabinete o general Ladário Pereira Telles, comandante da 1ª Região Militar, toma ciência da rebelião deflagrada em Minas.

Depois, atende a um chamado do presidente para ir ao Palácio das Laranjeiras. Lá é nomeado comandante do III Exército, com ordem viajar para assumir o posto em Porto Alegre, o que acontece na madrugada do dia 1º de abril. Orientado por Brizola e Ajadil de Lemos, cuida de garantir a chegada e a integridade de Jango em Porto Alegre. Sua posição – ao contrário de Machado Lopes – é rápida e enérgica: o III Exército defenderá, a qualquer custo, o mandato de João Goulart, que chega a Porto Alegre na madrugada do dia 2, e vai diretamente à casa do Comandante do III Exército.

Pela manhã daquele dia, há uma convocação do Presidente. O general Ladário expõe aos presentes que considerava a situação favorável a uma resistência, mas é contrariado pela oficialidade subalterna. Brizola intervém e, comungando com a posição do general, achava que o presidente deveria e poderia resistir. Mas não foi essa a decisão de Goulart, que deixou o país partiu para o exílio.

Um general nacionalista e legalista, contrariando todas as expectativas, corajosamente resolve resistir em nome da ordem constitucional, mas seu voto é vencido, inclusive pela posição conciliatória do presidente Goulart. Somente Ladário e Brizola queriam o império da lei e, certamente, reeditar a legalidade.

Quando Brizola voltou do exílio, nas várias manifestações que fez sobre o golpe de 64, particularmente, eu nunca ouvi uma palavra do governador sobre Ladário, que, como ele, estava preparado para o confronto. Brizola havia se esquecido de uma figura tão destacada e solidária, justamente numa hora em que o presidente capitulou?

Até que, alguns anos atrás, nessas andanças que a vida nos leva passei pela Linha Vermelha e, na sua margem, à direita de quem vai ao centro da cidade, notei que está erguido o CIEP General Ladário Pereira Telles. Busquei imaginar os dias que antecederam a queda do presidente, a fatídica reunião da manhã do dia 2 de abril no palacete do alto da Cristovão Colombo, o que aconteceu ao general após o golpe, enfim, o seu padecimento por ter sido um soldado legalista. Mas de tudo ficou uma certeza: em justa homenagem Brizola demonstrou que não havia se esquecido do “guerreiro de Bagé”.

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