Os mortos falam
“A história não é uma verdade única e inquestionável descansando em um livro”, sentencia a historiadora Maria Aparecida de Aquino, integrante da equipe liderada pela arqueóloga e também historiadora Valdirene do Carmo Ambiel.
A arqueóloga comandou o extenso e minucioso trabalho que envolveu 11 instituições na exumação dos corpos do imperador Dom Pedro I e de suas duas mulheres, Dona Leopoldina e Dona Amélia, elucidando dúvidas sobre a monarquia, recontando detalhes da história e trazendo o passado do País para mais perto dos brasileiros, razão da brilhante reportagem do jornalista João Loes, na edição da revista Isto É, desta semana.
Que Dom Pedro I fora um passional e fogoso visitador de alcovas alheias, isso qualquer brasileiro com Ensino Médiocompleto tem conhecimento O que agora também vem à tona são os documentos, como as cartas de Dona Leopoldina à irmã mais velha, Maria Luisa de Áustria, que mostra o lado sórdido, cruel e tirano de Dom Pedro I, A correspondência mais reveladora, de 8 de dezembro de 1826, endereçada a Maria Luisa, fala de sofrimento e morte iminente – a imperatriz morreria três dias depois de ditar esta carta. “Há quatro anos, minha adorada mana, como a ti tenho escrito, por amor de um monstro sedutor me vejo reduzida ao estado de maior escravidão e totalmente esquecida pelo meu adorado Pedro”, desfia. Mais adiante, faz menção a um “horroroso atentado que será a causa de minha morte”.
Isso ajudou a propagar a história de que dom Pedro I, em um acesso de raiva, teria dado um pontapé na imperatriz grávida, jogando-a escada abaixo no palácio na Quinta da Boa Vista, em São Cristovão, no Rio de Janeiro. O ataque teria quebrado o fêmur da imperatriz, causando seu último aborto e deflagrado a infecção generalizada que a matou.
A razão desta briga fora o affaire com Domitila de Castro e Canto Melo, a Marquesa de Santos, a quem ele havia promovido a dama de companhia da imperatriz. A gota d’água para Leopoldina foi o fato de dom Pedro resolver assumir publicamente Isabel Maria, a filha que teve com Domitila, concedendo o título de duquesa de Goiás à menina de dois anos.
O trabalho de pesquisa envolve muito mais: tomografias computadorizadas de alta definição das ossadas do imperador e de suas duas esposas. D. Amelia, inclusive, surpreendeu os arqueólogos pelo perfeito estado de conservação de suas unhas, cílios e pele, eis que a soberana fora mumificada.
Os mortos, após quase duzentos anos, estão “falando”.
Os casos extraconjugais no recôndito das alcovas palacianas, nas mansões circundantes do Lagoa Paronoá, na aeronave oficial, a concessão de passaporte diplomático, o desvio de dinheiro público, que também serviu para silenciar as concubinas com o pagamento da milionária pensão alimentícia dos inocentes bastardinhos, como se pode ver, não é fato que nos surpreenda. Afinal “elles” tiveram a realeza como escola.
Serão necessários os mesmos duzentos anos para que os de agora digam e contem a verdade?