Os tambores nada silenciosos
Como homem público foi chefe de gabinete de João Goulart na Secretaria de Justiça do Rio Grande, governo Ernesto Dornelles; foi vereador em Porto Alegre pela bancada do PTB, sendo eleito vice-presidente da Câmara. De 1961 até 1964 foi diretor da Agência Nacional, hoje Empresa Brasileira de Notícias, a convite do então presidente João Goulart. A partir de 1964, perseguido pelo regime autoritário, foi obrigado a escrever sob pseudônimo. Em 1969, foi descoberto pelos órgãos de segurança da ditadura militar, respondendo a inquérito em liberdade. Democrata e humanista ferrenho, Josué Guimarães foi sistematicamente perseguido pela ditadura e os poderosos de plantão, mantendo uma admirável coerência que acabou por alijá-lo do meio cultural oficial.
Não obstante, sua criação tornou-se ainda mais ferrenha. Num premiadíssimo romance, escrito em 1974, “Os tambores silenciosos”, o humor é direcionado às classes dominantes, ou seja, o patriarcado, os grandes senhores de terra e o poder político instituído.
Uma das personagens da obra (e diuturnamente traído pela esposa), o “conselheiro” do prefeito da imaginária cidade de Lagoa Branca”, se assemelhava a um conselheiro do Tribunal de Contas do Estado. Foi o que bastara para que o referido Conselheiro e seus então pares do Tribunal se aliassem e, numa ação conjunta, exigissem a proibição da publicação, o que resultou negada pelo Judiciário.
O rastilho de pólvora, no entanto, fora aceso. As notícias explodiram em todos os noticiários e o livro, não apenas granjeara vários prêmios literários como obtivera índices inimagináveis de venda.
O leitor estará se perguntando: Por que trazer esta história tão longínqua para uma crônica do cotidiano?
Respondo: Até então, para não ser tachado de preconceituoso, me abstive de tecer qualquer comentário sobre o casamento coletivo no CTG Sentinelas do Planalto, em Santana do Livramento, onde, dentre os nubentes, havia um casal de lésbicas, e que culminou com a perpetração de um incêndio covarde e criminoso na sede daquele Centro de Tradições.
Sim, preconceito contra a arrogância e o autoritarismo sob a fachada de defensores das tradições; do que, equivocadamente, algumas cabeças de poucas luzes entendem que cultuar a História e a Tradição de um povo é manifestar-se contra tudo aquilo que lhe fogem dos retrógrados padrões.
Por esse perfil tacanho e primitivo, ainda veem a união pelo casamento de duas pessoas do mesmo sexo no recinto de um Centro de Tradições Gaúchas (e, garanto, em qualquer outro recinto) como afronta ao bastião bombachudo das “façanhas que servem de modelo a toda a Terra”.
Bravura, coragem, decisão, determinação, perseverança, tenacidade e valentia nunca foram virtudes dos machos. Pensar desta forma, isso sim, é ser um reles machista preconceituoso, retrogrado e fundamentalista.
O orgulho desvairado e o raivoso preconceito contido nas alegações de Manoelito Savaris, Presidente do Movimento Tradicionalista Gaúcho o levaram a contradições: em suas perorações ao alegar que o CTG Sentinelas do Planalto fora desligado dos quadros do MTG desde 2010 por não pagar as contribuições.
Ora, se não mais pertencia ao despótico Movimento, por que o referido gaudério se opõe tão ferozmente à realização da cerimônia, como ele mesmo qualificou, “num galpão de reuniões”?
Atentem à emblemática e capciosa declaração de Vilmar Romera, Presidente da malfada Fundação Cavalgada do Mar: “…sem querer,a juíza deu sorte de não conseguir que o CTG ficasse pronto a tempo…”.
Como rastilho de pólvora que fora aceso, tal como acontecera com o inusitado sucesso de vendas do romance de Josué Guimarães, o entrevero nascido nos cérebros(?) de quem, provavelmente, possui tão somente três unidades de neurônios (uma unidade está “encostada” no INSS, outra em licença saúde e a terceira, a única ativa, “carneando uma ovelhinha”]) ganhou repercussão nacional, aumentando, ainda mais, o anedotário acerca do gaúcho de bombachas mas com calcinhas de rendas cor de rosa por baixo.
O MTG perdeu uma excelente ocasião de permanecer calado! Tudo não passaria de apenas um rodapé de página de um pequeno jornal.