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Poetar não é escrever versinhos

Nenê Agra, meu avô, um virtuose, era pianista, violinista e violonista. Num concerto, no Theatro São Pedro, sussurrou ao ouvido de minha avó, Doralina: – “O segundo violino desafinou em Lá Maior”.

Aprendiz de violão, ele me preveniu:  Este é o instrumento mais fácil de…………. ser mal executado.

Voraz e crítico leitor desde a pré-adolescência, se hoje me atrevo a incursionar – sem comprometer estética e estilo – apenas no universo da prosa, é porque tenho a convicção inequívoca de que a poesia, dos gêneros literários, é o mais fácil de………… ser mal escrito.

Ludicamente, e em defesa da poética ao ataque de seus predadores, escrevinhei o que, em prosa, se configuraria uma sátira (processo textual com intenção de produzir um efeito de cômico) os dois poemetos abaixo.

Castro Alves no divã

Garantem os que se dizem sabidos:
O mal do milênio terceiro,
em contraponto aos mais antigos,
é não mais ser alegre e faceiro.

Sem os neuras, psicopatas e paranoicos,
Sig Freud, Jung e Lacan
desconheceriam os estoicos
e seus segredos no divã.

Para a elite, analista
é honrado com cheque especial,
joia penhorada dos baús.
Trabalhador brasileiro consulta,
quando muito, o clínico geral
credenciado pelo SUS.

Por isso, caro amigo,
para exorcizar a assombração
que invade tua alma sem pudor,
busca material muito antigo:
lápis, papel e inspiração.

Ah, indefesa literatura!
Estupram, sobretudo, a poesia.
Nos saraus a turminha dos horrores 
justifica ser tudo cultura,
o que é simples profilaxia!

O papel, vítima infeliz,
silencioso, brando e nulo
aceita tudo o que se lhe ”diz”.
Do trágico ao cotidiano,
da mulher que chora e trai (por essa eu pulo!).

Não me queira mal, Maluco Beleza,
furtar teus méritos não hei de querer,
não é tamanho o meu tutano.
Porém, afirmo, com toda a certeza:
Para este mundo que eu também vou descer!!!

Vai passar

Chora a Pátria, mãe gentil,
choram Marias e Clarisses.
Cantava o Bêbado com histrionices,
ante seu passo trôpego e “stalinista”,
no Planalto Central do Brasil.

O trabalhador, otário e malabarista,
é quem, na verdade, tomba
sem qualquer lamento
do alto de uma corda pênsil,
presa às gêmeas torres do Parlamento.

Choram Bandeira, Vinicius e Pessoa.
Choram Drummond e Quintana em agonia.
Lágrimas se transfiguram em garoa.
A caçada desesperada
do assassino da poética da poesia.

Em que sombrios escaninhos,
em que tenebroso umbral
reside o disléxico dos preceitos,
para quem megalomania
é perfil compulsório de intelectual?

Ignora e desdenha o déspota autoritário,
desconhece o pseudovate melancólico
(Brancaleone* deste Capão tão bucólico),
de que ele e seus vassalos passarão!
Eu serei eterno passarinho!

* Brancaleone de Norcia, um cavaleiro atrapalhado que lidera um pequeno e esfarrapado exército, perambulando em busca de um feudo.

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