Projeto do Senado cria polêmica ao regulamentar aborto e eutanásia
A proposta legaliza o aborto realizado até a 12ª semana de gravidez, desde que fique comprovada, por médico ou psicólogo, a incapacidade da mulher de arcar com a maternidade. O aborto permanece legal em caso de risco de morte para a mulher causado pela gravidez; se a gravidez for resultado de estupro ou se o bebê for anencéfalo.
O deputado Ronaldo Fonseca (PR-DF), integrante da Frente Parlamentar Envagélica, critica. “Isso é um atentado contra a vida. Até porque [a redação] está muito genérica. O médico ou o psicólogo vai atestar que a mulher não pode arcar com a maternidade? É uma brincadeira o que fazendo com todos nós.”
O conselheiro da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) Getúlio Humberto reconhece que o texto do Senado neste ponto talvez precise ser melhorado. “Talvez a metodologia deva ser mais apurada, mas, veja, hoje o índice de aborto no Brasil é altíssimo.”
O texto em análise no Senado também regulamenta a eutanásia (matar a pedido um paciente terminal) e legaliza a ortotanásia (interrupção dos tratamentos que apenas mantenham a vida do paciente terminal). A eutanásia é criminalizada, com pena de dois a quatro anos de prisão, mas o texto permite que o juiz deixe de aplicar a pena dependendo das circunstâncias do caso. Já a ortotanásia deixa de ser crime, desde que a irreversibilidade de doença seja previamente atestada por dois médicos.
Esses temas concentram as maiores críticas ao texto, especialmente dos parlamentares religiosos. Para o coordenador da Frente Parlamentar Evangélica, deputado João Campos (PSDB-GO), esses pontos precisarão ser revistos pela comissão especial que discute o tema.
O ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Gilson Dipp, presidente da comissão de juristas que elaborou o texto, explica que os temas foram incluídos na proposta porque a comissão não se deixou influenciar por tabus. “Nossa obrigação foi oferecer ao Parlamento informações para que ele possa ouvir a sociedade e o povo. Essas matérias foram trazidas para o projeto de forma consciente, para que os temas fossem discutidos.”
Crimes virtuais
Entre as inovações do novo Código Penal, destaca-se a inclusão de um capítulo específico para os crimes cibernéticos. O ministro explica que, hoje em dia, a internet é considerada apenas o meio pelo qual criminosos cometem furtos ou estelionato. Essa interpretação, no entanto, não abrange a complexidade das quadrilhas. “O crime praticado hoje pela internet tem tal sofisticação que algumas condutas não existem como, por exemplo, retirar páginas de governo do ar.”
O texto cria vários crimes cibernéticos, entre outros:
apagar, danificar ou inutilizar dados sem autorização: pena de seis meses a três anos;
fraudar o funcionamento de sistema informático: pena de um a cinco anos;
acessar dados sem autorização, expondo as informações ao risco: pena de seis meses a um ano;
sabotar sistema informático ou de comunicação causando interrupção ou impedimento dos serviços: pena de um a dois anos.
Drogas e terrorismo
Em relação às drogas, a proposta acaba com a punição de usuário que portar, guardar ou cultivar drogas para consumo pessoal. A posse de substância para o consumo médio de até cinco dias será considerada evidência de que a droga é para consumo do usuário, salvo prova em contrário.
De olho nas competições internacionais que o Brasil vai sediar até 2016 – Copa das Confederações, Copa do Mundo e Olimpíadas – o projeto criminaliza o terrorismo, que até hoje não tem definição legal.
Causar terror na população, sabotar meios de comunicação e de transporte, e outras condutas motivadas por preconceito ou para a manutenção de organizações políticas ou grupos armados será punido com prisão de 8 a 15 anos, sem prejuízo dos outros crimes.
“Se houver ato tido como terrorista, sequer temos o tipo penal para proibi-los. Precisamos ter a realidade como presente, o Brasil não pode ser acusado de omissão”, alerta Gilson Dipp.
O jurista acredita que o novo código será o instrumento para combater a impunidade, mas ressalta que só uma nova lei não vai resolver os problemas da Justiça. “A sensação de insegurança e de impunidade existente hoje no País não será mudada apenas por uma lei bem feita. É preciso que outros órgãos institucionais envolvidos tenham condições de aplicar mais adequadamente o código”, avalia Dipp.
A proposta está sendo analisada por uma comissão especial no Senado. O texto ainda precisa ser aprovado pelo Plenário das duas casas para poder entrar em vigor.