Remédio para Parkinson pode causar vício em jogos
Os medicamentos dopaminérgicos, um dos tipos mais comuns para tratar o Mal de Parkinson, podem causar distúrbios graves de comportamento e até levar o doente a se tornar um viciado em jogos de azar. O pior da notícia é que ela não é nova: a comunidade científica sabe desse tipo de efeitos colaterais há pelo menos 25 anos, no entanto os médicos podem não estar advertindo os pacientes como deveriam.
Por conta do desinteresse de seu médico sobre os efeitos indesejados do remédio é que o executivo francês Didier Jambart, 47 anos, poderá ganhar até 400 mil euros em indenizações. A sentença do processo que move contra seu antigo neurologista e o laboratório farmacêutico norte-americano fabricante do medicamento – cujos nomes o paciente não quis revelar – deve sair no próximo dia 19, em Paris. Seria a primeira vez na França que um doente de Parkinson abre uma ação deste tipo.
Jambart, que é morador de Nantes, oeste francês, afirma ter gasto mais de 150 mil euros em jogos de azar, principalmente pela internet. Ele teria começado a jogar por curiosidade na web e acabou se tornando um compulsivo, a ponto de roubar dinheiro de parentes e cartões de créditos de amigos.
A atração pelo jogo começou em 2004, um ano depois do início do tratamento, logo que seu médico aumentou a dosagem de 6 mg diárias para 9mg. Passados alguns meses, mais uma vez Jambart teve a posologia modificada, agora para 15 mg diárias. Foi o auge do vício nos jogos, em 2005.
“Não conseguia parar de jeito algum. Meu casamento esteve em risco e fui chamado de louco por todos tanto na vizinhança quanto no trabalho”, conta, acrescentando que também sofreu de depressão e de hiperapetite sexual durante o período em que consumiu o medicamento nas dosagens superiores. Nenhum destes problemas, no entanto, foi maior do que a ruína financeira em que ele se encontrou em menos de um ano, afirma Jambart, que tentou se matar duas vezes em menos de um mês.
O doente afirma jamais ter sido consultado pelo médico sobre a ocorrência destes efeitos do remédio, e muito menos advertido. Passada a recuperação da segunda tentativa de suicídio – e sem que seu médico percebesse qualquer alteração no paciente -, o executivo decidiu recorrer a outros profissionais e consultou dois psiquiatras e outro neurologista. Nenhum teria se aprofundado sobre os problemas ou estabelecido relação entre o dopaminérgico e o vício no jogo.
Um dia, no entanto, ao pesquisar na internet se alguém sofria de distúrbios semelhantes, Jambart descobriu o caso de um americano que havia passado pela mesma situação e diagnosticado a origem do transtorno: o medicamento dopaminérgico para tratar o Mal de Parkinson.
“Recorri a um médico expert no assunto e ele confirmou as minhas suspeitas: era mesmo o remédio que havia transformado para pior a minha vida”, lembra. Jambart foi orientado a cessar imediatamente o tratamento e hoje ele toma um derivado, porém em dosagem mais fraca. Apenas a partir de 2006 é que o laboratório passou a informar na bula, sem destaque, que ¿alguns pacientes apresentaram comportamento impulsivo e insólito para eles, como uma atração compulsiva por jogos de azar ou aumento de pulsões sexuais¿.
“O pior é que este remédio é muito comum, é sempre receitado, e os médicos não tomam as precauções necessárias. É absolutamente necessário acompanhar o desenvolvimento de efeitos colaterais deste medicamento”, alerta a médica Anne Frobert, especialista no assunto e ela própria portadora da doença. “Não é o caso de acabar com o medicamento, mas sim de prescrevê-lo com cautela e orientar o paciente a tomar as doses nos horários certos, de forma que não concentrem a medicação em uma única hora do dia”, afirma Anne.
A Comissão Regional de Conciliação e Indenização de Acidentes Médicos, em Paris, deu em fevereiro parecer favorável ao processo movido por Jambart, culpando o laboratório em 80% dos prejuízos financeiros e morais e o médico em 20%. No próximo dia 19, o executivo vai conhecer a sentença final expedida pelo Escritório Nacional de Indenização de Acidentes Médicos, que determinará se será mantido o valor de 400 euros de indenização.