Tolerância Zero
Provavelmente a Lei nº 11.705, de 19-06-2008, que estabeleceu o critério da “alcoolemia zero” para os condutores de veículos seja a mais comentada dos últimos tempos, em razão de atingir diretamente uma grande massa populacional, tornando a todos potencialmente criminosos, ou mesmo, em função de sua radicalidade. O certo é que todos estão discutindo sobre suas conseqüências (boas ou más), sejam juristas ou não, e aqui não vou me furtar em expressar algumas observações, sob a ótica da garantia dos direitos fundamentais e suas implicações no ordenamento jurídico-penal.
Primeiramente, muito me preocupa a utilização indiscriminada do termo “tolerância zero”, eis que significa importação de doutrinas penais radicais e estranhas ao nosso sistema penal, especialmente porque a “tolerância” é a uma qualidade nobre do ser humano, enquanto a “intolerância” é uma das marcas infelizes e inferiores da humanidade, característica de regimes totalitários como o nazismo, o fascismo, o comunismo, e tantos outros “ismos”.
Com efeito, “tolerância zero” é um movimento criminalizante nascido em Nova Iorque, que prega a eliminação da “sujeira das ruas” (incluindo mendigos, prostitutas, bêbados, etc., ou seja, todo o lixo humano produzido pela sociedade), e é fruto de um outro movimento político-criminal norte-americano denominado “Law and Order” (Lei e Ordem), que pretende uma radicalização punitiva, tencionando exercer o controle social e o combate à criminalidade de uma maneira simplista, apenas através do endurecimento das penas. De acordo com a moderna criminologia (Alessandro Baratta), tal ideologia apenas mascara os graves erros do sistema penal (Teoria do Etiquetamento), produzindo mais violência, pois como já apontava Beccaria em 1764: “A crueldade da penas não reduz os crimes, apenas demonstra a falibilidade delas (…)”.
Por outro lado, não devemos nos esquecer do caráter fragmentário e subsidiário do Direito Penal (somente deve ser utilizado como último recurso). Assim, apesar dos resultados preliminares da nova Lei apontarem para uma diminuição nos acidentes de trânsito, penso que a dosagem de 0,6 decigramas de álcool permitidos anteriormente, era parâmetro suficiente para coibir os excessos dos imprudentes, desde que houvesse a devida fiscalização.
Por fim, restam alguns questionamentos: Até quando durará o atual rigor das fiscalizações? O lugar de um cidadão honesto que bebeu uma cerveja ou uma taça de vinho é na cadeia? Como obrigar alguém a fazer um teste ou exame que não deseja? Como penalizar um indivíduo que está dirigindo corretamente apesar de alguma alcoolemia? Qual o critério policial para a abordagem de um veículo e qual o nível de civilidade no tratamento do cidadão em caso de desacordo? Etc., Etc., Etc.