Um outro Fahrenheit?

Dedicado a Ana Rute Paz, Elza Montano,
Joaninha P. Dias, Patrícia Souza Cerezer,
Mariza S. Dos Santos e aos livreiros que
nelas acreditaram.

Fui convidado pela Comissão Organizadora da 7ª. Feira do Livro de Capão da Canoa para, na sexta-feira, 5 de abril, proferir palestra sobre meus livros.

Momentos antes, já sentado na mesa de onde eu falaria à eventual plateia, percebi algo que, até então, nunca presenciara: o melancólico vazio, o desterro a que aquele evento fora condenado exatamente por aqueles que mais o deveriam apoiar, não somente com os recursos (significativamente inferior a edições anteriores), sobretudo com suas presenças e o terno olhar de quem vê o desabrochar de uma formosa menina de sete anos.

Exatamente os que respondem pela Cultura oficial e de entidades representativas de artistas, poetas e escritores da comunidade colocaram, sim, os pés na Feira, mas com a impressão, salvo melhor juízo, de ensombrecer, ofuscar o brilho daquela promissora criança.

Estranhamente, veio-me à lembrança a obra do escritor americano Ray Bradbury (1920-2012) Fahrenheit 451.

Trata-se de um romance de ficção científica. Este apresenta um futuro inespecífico em uma cidade anti-intelectual onde todos os livros são proibidos, opiniões próprias são consideradas antissociais e o pensamento crítico é suprimido. O personagem central, Guy Montag, trabalha como “bombeiro” (o que na história significa “queimador de livro”). . Qualquer um que é pego lendo livros é, no mínimo, confinado em um hospício. Quanto aos livros, são considerados ilegais e, uma vez encontrados na posse de alguém, são queimados pelos “bombeiros”. Os livros ilegais achados são principalmente obras famosas.

Uma noite, voltando de seu trabalho, Montag encontra sua nova vizinha, Clarisse McClellan, cujo livre-pensamento e espírito questionador o estimula a reconsiderar seu próprio estilo de vida, seus ideais, e sua noção de felicidade.

No dia seguinte, enquanto revistava a casa repleta de livros de uma senhora para depois incendiá-la, Montag acidentalmente lê uma linha de um de seus livros, a qual dizia: “O tempo adormeceu sobre o sol da tarde”. Esse trecho o incita a roubar o livro por pura curiosidade, e muitos outros mais tarde. A mulher que se recusa a deixar a casa e seus livros prefere riscar um fósforo e queimar junto com eles, agonizando na combustão. Isso perturba grandemente Montag, que se pergunta porque alguém cometeria suicídio por livros que, ao menos para ele, eram inúteis.

Mais tarde é revelado que Montag escondia dúzias de livros dentro do túnel do climatizador de sua casa, os quais ele tentava memorizar para preservar seu conteúdo, mas falhava porque as palavras simplesmente eram esquecidas de sua memória rapidamente. Necessitando de alguém que o ajudasse, recorda de um homem que encontrou uma vez: Faber, um professor de inglês. O qual começa a lhe ensinar sobre a importância dos livros e do esforço da literatura em tentar conseguir racionalizar a existência humana.

Montag escapa para a casa de Faber, e lá é aconselhado a procurar alguns refugiados que vivem em um lugar fora da cidade onde seria difícil de ser achado. Faber esclarece que tais refugiados são foragidos diplomados de diversas universidades, e que talvez o pudessem ajudar. Montag decide partir ao encontro do grupo de refugiados. Para a surpresa de Montag, eles contam que criaram uma técnica para salvar os livros: cada refugiado memoriza um livro, conservando seu conteúdo palavra por palavra, queimando-o em seguida para que não seja descoberto; posteriormente, tal memória é repassada a um aprendiz que, após a morte daquele que decorou a obra, prosseguirá com a tradição, até o dia em que os livros não sejam mais proibidos e o que foi memorizado possa ser, novamente, transcrito na forma de um livro.

Fui despertado pelo alarido de quase uma centena de alunos que se acomodavam para, generosamente, ouvir minha palestra.

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