Um terço dos jovens do ensino médio estuda à noite
No início dos anos 2000, cerca de metade das matrículas do ensino médio era no período noturno, em que a qualidade do ensino pode ser afetada por problemas como a dupla jornada do estudante ou a carga horária de aulas reduzida.
Para a pesquisadora Raquel Souza, assessora da organização não governamental (ONG) Ação Educativa, esse número poderia ser maior, já que parte dos jovens que deveriam cursar o ensino médio está fora da escola.
Segundo o senso comum, os estudantes se matriculam no período da noite porque precisam trabalhar durante o dia. Mas, de acordo com Raquel Souza, não há estudos que indiquem essas razões. Ela ressalta que em alguns casos é por falta de escolha, já que em escolas de regiões específicas só há oferta de vagas para o período noturno.
Uma das desvantagens para quem estuda à noite é que em alguns casos a carga horária é inferior à oferecida para as turmas diurnas. Dessa forma, alunos do noturno ficam privados de atividades oferecidas no contraturno, como aulas de educação física.
“Em geral, as aulas são mais curtas e o prejuízo é que o estudante fica menos tempo na escola. Além disso, aquele que também é trabalhador vai chegar mais cansado e ter outra experiência com a escola”, destaca a pesquisadora.
Em maio, o Conselho Nacional de Educação (CNE) aprovou as novas diretrizes curriculares do ensino médio, que indicam a necessidade de flexibilização do currículo. Uma das recomendações do parecer, que ainda não foi homologado pelo Ministério da Educação (MEC), é que a duração, hoje de três anos, seja ampliada. O conselho sugere ainda a opção de oferta de 20% da carga horária na modalidade ensino a distância.
Raquel destaca que a atitude do CNE é importante. “Essa proposta pode ser um pontapé para pensar em processos diferentes para qualificar o ensino médio noturno, que sejam mais adequados às necessidades dessa população. O noturno não pode ser um arremedo do que é o ensino médio diurno, mas precisa ter um espírito diferenciado com um currículo próprio”, defende.
A secretária de Educação Básica do Ministério da Educação (MEC), Maria do Pilar Lacerda, alerta que as escolas que oferecem o ensino médio noturno precisam pensar em um projeto pedagógico que atenda às necessidades de quem precisa frequentar as aulas nesse período.
“A orientação mais estruturante é que a escola conheça quem é o seu aluno por meio de uma pesquisa. Se a maioria for de trabalhadores, tem que ter uma flexibilidade de horário, por exemplo.
O projeto pedagógico precisa ser estruturado depois de a escola saber porque eles estudam à noite, a partir do percurso educativo dos alunos [se são repetentes ou se já abandonaram a escola] e do que eles esperam da escola”, acredita.
Para Raquel, apesar de todas as dificuldades, o ensino médio noturno deve ser mantido para atender às necessidades de quem não pode estudar durante a manhã ou a tarde.
“A gente não advoga pelo fim do ensino médio noturno considerando a realidade dos jovens brasileiros. A gente vive em um país em que não dá para dizer que os jovens não precisam trabalhar. A gente ainda não conseguiu universalizar o ensino médio, ele tem que ser ofertado em todos os turnos”, ressalta.
O estudante Gilmar Ribeiro, 33 anos, cursa o 2º ano do ensino médio no Centro de Estudos Supletivos (Cesas), em Brasília. Para ele, frequentar as aulas à noite é a saída para conciliar os estudos com o trabalho de cozinheiro durante o dia. Segundo Ribeiro, uma das dificuldades da dupla jornada é a falta de tempo para se dedicar aos livros.
“Estudar à noite é bem difícil porque quase não tenho tempo de estudar, muitas vezes tenho dificuldades no estudo porque fico sem tempo para isso. No trabalho, não dá [para estudar], o patrão cobra, exige bastante, então chego cansado [às aulas], porque, além de tudo, vou de ônibus e por isso só presto atenção a algumas aulas.”
Mesmo com as todas as dificuldades, ele pretende concluir o ensino médio e prestar vestibular para administração. “Vou fazer o próximo Enem [Exame Nacional do Ensino Médio], então aqui também está servindo como preparatório para isso.”
Também matriculada no Cesas, Daiana Oliveira, 21 anos, chegou a parar de estudar quando ficou grávida do segundo filho. Agora, na terceira gestação, ela diz que conta com o apoio da família para frequentar as aulas do 2º ano no período noturno. “Estudo à noite porque foi a melhor opção que encontrei para os meus horários.
Durante o dia, fico em casa com meus filhos, um de 2 anos e outro de 4 anos. Para estudar, deixo meus filhos com as minhas cunhadas.”
Para ela, estudar à noite não é cansativo. “Presto atenção às aulas e não considero cansativo, os horários são bem flexíveis”, conta. “Os professores ajudam bastante os alunos, porque muitos deles trabalham”, completa.