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Utopia 2 – Jayme José de Oliveira

Utopia 2 - Jayme José de Oliveira
Jayme José de Oliveira

Estou inclinado a crer que muitos dos que defendem com “unhas e dentes” uma sociedade utopiana sequer leram o livro. Custa-me crer que uma pessoa equilibrada e não contaminada por violenta ojeriza ao mundo em que vive possa considerar ideal coabitar com seres despidos de quaisquer resquícios de individualidade; vontade de progredir; ambição de deixar aos descendentes um mundo melhor; enfim, sair do marasmo vivido pelos utopianos.

Poroutrolado, admitirjustiça e equidade num país que prega o altruísmo; anuncia uma vida em que TODOS usufruem os mesmos direitos e não se diferenciam em nada mas convivem sem constrangimentos com escravos é um contrassenso inadmissível.

O próprio Morus relata uma crítica feita por alguém que não nomina: “Se Utopia é apresentada como verdadeira, posso enxergar nela vários absurdos; mas, se é inventada, considero que o juízo de Morus está falhando em vários pontos”.

Contrapondo o autor declara: “Para possibilitar um regime descrito em Utopia é necessário um mundo perfeito, habitado por pessoas perfeitas e uma das maneiras para conseguir é estabelecer um sistema de ensino educacional concebido e executado de maneira rígida, com regras inflexíveis e na qual os transgressores são punidos pelo Senado, inclusive com a escravidão”.

Destacarei excertos extraídos do livro “Utopia” que deixam explícitos alguns detalhes criticados: “Quando alguém sente vontade de visitar amigos em outra cidade pode obter licença com facilidade, requerendo uma carta ao governador, que especifica a data do retorno. Providencia-se uma carroça, com um escravo público para guiar e cuidar dos bois”. Se alguém sai do distrito sem autorização é detido por desacato e reconduzido como fugitivo sofrendo punição severa. (pg.115) (E o direito de ir e vir ao qual estamos habituados no nosso mundo imperfeito?)

Como todos trabalham sem receber salário de qualquer espécie, após os excedentes das colheitas dum distrito serem distribuídos aos que sofram escassez, o restante é exportado em troca de ouro o qual para os utopianos não tem valor, tanto que é fundido e com ele se fabricam urinóis e correntes para prender escravos.

Não possuindo exército, recorrem a essas reservas para contratar, a alto preço, mercenários quando são compelidos a enfrentar tropas inimigas. (pg.118)

“Que prazer pode ser auferido em ouvir os ganidos e latidos de cães perseguindo uma lebrezinha frágil? Deveria inspirar piedade”. É por isso que consideram qualquer caçada imprópria para homens livres e passam essa atividade aos carniceiros e estes são escravos. (pg.129)

Os escravosprovém de prisioneiros de guerra, condenados por alguma ação vergonhosa ou, o que é mais comum, estrangeiros que por algum motivo foram condenados à morte em sua cidade de origem. Os utopianosmantém esses escravosnão só em trabalho perpétuo, mas também em grilhões. (pg. 136)

Uma guerra nunca é declarada por motivos de perdas materiais, mas, se se um cidadão utopiano é injustamente ferido ou morto, seja onde for, a menos que os culpados lhes sejam entregues, declararão guerra. Preparam proclamas para serem colocados em espaços públicos nos territórios inimigos. Ali prometem enormes recompensas a quem liquidar o príncipe; recompensas menores pelas cabeças dos indivíduos arrolados numa listagem.

O suborno persuade com facilidade as pessoas a praticar qualquer crime, e os utopianos o utilizam de maneira irrestrita, sem constrangimento.

Esta prática de ofertar recompensa e comprar o inimigo é condenada por outras nações, no entanto, os utopianos consideram admirável, visto que lhes permite saírem vitoriosos de grandes guerras sem sequer lutarem. Quando inevitável o combate, mandam à guerra mercenários que recrutam pagando alto preço em ouro. Excepcionalmente usam seus cidadãos, e destes apenas voluntários.

Em Utopia todos podem optar por qualquer religião. Se julga arrogante loucura impor aos outros aquilo que se crê verdadeiro por ameaças e violência. A verdade surgirá e se imporá por sua própria força intrínseca. Ninguém poderá coagir por meio da força para seu credo. A penalidade para tal fanatismo será o exílio ou escravidão. (pg. 157) Os utopianos creem que, após esta vida, os vícios são punidos e as virtudes recompensadas.

Se fosse possível um regime descrito em Utopia, os cidadãos livres usufruiriam a riqueza maior que pode esperar um homem. Além de viver livre de preocupações com espírito alegre e tranquilo, sem a preocupação como próprio sustento e dos seus familiares. Ademais, os que antes trabalhavam e agora estão fracos demais para isso, não são menos atendidos que aqueles que ainda trabalham. (pg. 168)

Consideremos que o livro foi escrito no ano 1516 d.C. e temos de entender como era a vida em sociedade naquela época: nobres ricos e manipuladores dum “Sistema Judiciário” subserviente e jungido por leis que de justas apenas tinham nome. Aos trabalhadores se impunha uma jornada de trabalho de 16 horas diárias; sem feriados nem domingos livres; sem férias; sem aposentadoria. Escravos? Uma mercadoria como qualquer outra.

Não causa espanto que Thomas Morus, escritor, diplomata, advogado e um dos grandes humanistas do Renascimento, impregnado de indignação extrema, elucubrasse um país utópico. Marx e Engels, no alvorecer do século XX, tentaram tornar Utopia uma realidade.

O comunismo proclamava todos iguais, porém, como bem descreveu George Orwell em “A Revolução dos Bichos”, “todos são iguais perante a lei, mas alguns são mais iguais”. Esses “mais iguais” coexistem em todos os regimes, o Brasil que o diga, e lançam por terra os ideais de Utopia.

Impossível a existência de uma sociedade utópica? Não! Observe uma colmeia ou um formigueiro, cada indivíduo sabe o seu papel e o cumpre à risca. Homens,porém,têmolivre-arbítrio , não se sujeitam  às amarras do não poder decidir o seu presente e muito menos o futuro dos seus descendentes.

Jayme José de Oliveira
cdjaymejo@gmail.com
Cirurgião-dentista aposentado

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