Zorrilho apaixonado

(Para a Ana Maria, que conheci num sábado de Carnaval em 1971, em Cacequi)

Da imensidão do espaço que me separa, hoje, das coisas da minha terra e da minha infância, me vem uma quadrinha muito repetida, na fronteira e que repasso para todos com algumas reflexões sobre o conteúdo da mesma. Reflexões  desnecessárias, é claro,  mas de acordo com a mania que têm os seres humanos, de tentar explicar o que não precisa ser explicado. Ei-la:

Onde vai senhor Zorrilho,
Em tamanha galopada ?
_ Vou buscar água de cheiro
para a minha namorada.

_ Não vá lá senhor Zorrilho
Que lhe bate a cachorrada!!!
_ Que me importa que me bata!
Que eu peleio e dou bordoada !!!

Todo o mundo conhece o Zorrilho. Os que não conhecem podem imaginá-lo como um gato, porém com um focinho comprido. Normalmente é preto e com uma lista branca em cima do lombo.

O Zorrilho possui uma arma terrível que é a sua urina e quando atacado expele o seu extrato mortal lançando, inesperadamente, sobre o agressor, uma grande quantidade deste material que tem um cheiro fortíssimo e que se pega nos olhos, cega, por horas ou por dias. Mas se não cegar, já basta o cheiro que o vivente ou o animal tem que suportar por, no mínimo, dois dias.

A natureza, compensou a sua fragilidade com uma proteção de alto poder de impacto sobre seus inimigos, que são os homens e os cachorros.

Mas, o que me prendeu nesta quadrinha que amanheceu na minha cabeça , é que o seu protagonista é um Zorrilho de certa respeitabilidade, pois é chamado de senhor, e que se encontra extremamente apaixonado.

E como apaixonado é capaz das maiores aventuras, embora que perigosas e que poderão levar-lhe a morte. Tudo para agradar a sua namorada,.

A paixão o tornou um Zorrilho inconseqüente, embora respeitável. Tão inconseqüente que o leva, para conseguir o resultado desejado, a não temer a própria morte, que será inevitável.

Fiquei, hoje de manhã, pensando quanto verdadeiras eram as alegorias que nos contavam quando crianças. Esta do Senhor Zorrilho é uma delas que encerra verdades absolutas e inquestionáveis.

Quantos de nós homens e mulheres, do passado e do presente não enfrentamos uma série de dificuldades e obstáculos muito piores que um bando de cachorros, e peleamos e demos bordoada, para conseguirmos a água de cheiro para o ser objeto de nossa paixão.

A paixão é algo incontrolável que foge ao entendimento e a controle de nossos sentidos e que toma conta de nós de tal forma e tal maneira que o objeto dela se torna a razão de nossas vidas.

E como somos felizes quando estamos apaixonados. Nada é triste, nada é ruim, nada é feio, tudo é maravilhoso. Uma flor, uma música, um perfume, um olhar, um sorriso, tudo isto preenche o nosso ser. Até a fome ao lado do ser amado, encontra saciedade e romantismo.

Quando estamos apaixonados, somos sensíveis escolhemos as palavras, escolhemos os gestos, contamos as horas para chegarmos a, pelo menos, ver o nosso amor.

Se pudermos ficar perto, próximos, juntos para sempre, isto para nós é o paraíso.

A paixão tem sido objeto de seculares teses de estudiosos e, segundo o pensador Mira Y Lopez, se constitui entre um dos quatro gigantes da alma.

Finalizando, podemos dizer que como é bom e como é suave, sermos Zorrilhos Apaixonados.

Como foi bom eu ter ouvido esta quadrinha, no longínquo dia da minha infância. .

Acho que, todos nós, sempre sonhamos em ser um Zorrilho Apaixonado, não para enfrentar a cachorrada que, esta com calma e tenência a gente domina, mas para enfrentar todas as dificuldades da nossa vida e vencê-las, uma a uma, e finalmente, levarmos água de cheiro para o nosso amor.

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