50 anos da legalidade de Brizola!
Ali ocorreram ótimas palestras, com destaque para a fala do neto do ex-presidente João Goulart, Cristopher Goulart, um jovem advogado que tem se dedicado ao resgate da memória de seu avô. Discursou com propriedade sobre a trajetória política de “Jango”, afirmando que seu progenitor tem sido injustiçado pela história e que os militares foram os grandes responsáveis pelo processo de “esquecimento” desta grande figura pública brasileira.
Com efeito, João Goulart foi um excelente presidente, idealista e conciliador, que, porém, viveu dias difíceis em seu governo, que infelizmente culminaram com sua deposição e a instalação de uma ditadura militar que sufocou a democracia e os direitos civis por duas décadas. No entanto, apesar do protagonismo de “Jango” naquele período turbulento de agosto de 1961, o personagem mais marcante do movimento da legalidade foi, sem dúvida, o ex-governador Leonel Brizola.
Aliás, para os que não sabem ou não lembram, a campanha da legalidade foi deflagrada no Rio Grande do Sul, após a renúncia (jamais esclarecida) do ex-presidente Jânio Quadros, no dia 25-08-1961, oportunidade na qual o seu vice-presidente, João Goulart estava na China, em uma viagem diplomática. A ordem constitucional (legalidade) determinava a posse do vice-presidente (naquela época eleito de forma independente) no cargo de presidente. Era o que deveria ter ocorrido.
No entanto, as forças reacionárias do país (auxiliadas por forças externas – especialmente as norte-americanas), não nutriam qualquer “simpatia” por João Goulart, que pertencia ao Partido Trabalhista e que, na visão retrógrada daqueles senhores, tinha “idéias comunistas”. Assim, os ministros militares, liderados pelo Gal. Odílio Denys, então ministro da guerra, arquitetaram um golpe de Estado para tentar impedir a posse de Jango, empossando no cargo máximo da nação o presidente da Câmara, Ranieri Mazzilli.
Tudo certo para os golpistas, exceto por um detalhe: esqueceram-se de que no extremo sul do país, donde décadas atrás Getúlio Vargas havia dobrado a República Velha, havia uma figura ímpar e heróica chamada Leonel de Moura Brizola, cunhado de João Goulart! E foi ele, apoiado pelo povo gaúcho, que comandou a resistência civil e política contra aquela armadilha subversiva que estava em curso.
Brizola deflagra a campanha da legalidade, utilizando-se das rádios Gaúcha e Farroupilha. Todavia, elas foram retiradas do ar pelos golpistas que extraíram os cristais das antenas transmissoras. Em resposta, o governador requisita a Rádio Guaíba, instalando o estúdio nos porões do Palácio Piratini e determina que a Brigada Militar guarneça sua antena para evitar novas interrupções na “Cadeia da Legalidade”.
O movimento de resistência ganha enormes proporções e cerca de 100 rádios retransmitem as mensagens de Brizola para todo o país. A legalidade ganha o apoio dos Bispos do Brasil, dos governadores do Paraná e de Goiás e, enfim, do comandante do III Exército, Gal. Machado Lopes. Ainda assim, o Ministro da Guerra manda bombardear o Palácio Piratini, mas Brizola resiste bravamente, com o apoio da Brigada Militar e da população civil, entrincheirada nos arredores do Piratini e armada com revolveres Taurus requisitados pelo governador.
A situação ganha contornos dramáticos e Brizola tomado pela emoção fala ao povo que talvez não tenha outra oportunidade para se comunicar, pois o confronto era iminente e os resultados imprevisíveis. Não há como expressar o momento senão reproduzindo parcialmente trechos de suas de sua fala na “Rádio da Legalidade”, em 28-08-2011:
“Quero vos dizer que será possível que eu não tenha oportunidade de falar-vos mais, que eu nem deste serviço possa me dirigir mais, comunicando esclarecimentos à população. Porque é natural que, se ocorrer a eventualidade do ultimato, ocorrerão, também, conseqüências muito sérias. Porque nós não nos submeteremos a nenhum golpe, a nenhuma resolução arbitrária. Não pretendemos nos submeter. Que nos esmaguem! Que nos destruam! Que nos chacinem, neste Palácio! Chacinado estará o Brasil com a imposição de uma ditadura contra a vontade de seu povo. Esta rádio será silenciada tanto aqui como nos transmissores. O certo, porém, é que não será silenciada sem balas. Tanto aqui como nos transmissores estamos guardados por fortes contingentes da Brigada Militar.
“Assim, meus amigos, meus conterrâneos e patrícios ficarão sabendo por que esta rádio silenciou. Foi porque ela foi atingida pela destruição e porque isso ocorreu contra a nossa vontade. E quero vos dizer por que penso que chegamos a viver horas decisivas.”
“As mais graves revelações quero vos transmitir. Ontem, por exemplo – vou ler rapidamente, porque talvez isso provoque a destruição desta rádio -, o Ministro da Guerra considerava que a preservação da ordem “só interessa ao Governador Brizola”. Então, o Exército é agente da desordem, soldados do Brasil?! E outra prova da loucura! Diz o texto: “É necessário a firmeza do III Exército para que não cresça a força do inimigo potencial”.
“Eu sou inimigo, meus conterrâneos?! Estou sendo considerado inimigo, meus patrícios, quando só o que queremos é ordem e paz. Assim como esta, uma série de outras rádios foi captada até no Estado do Paraná, e aqui as recebemos por telefone, de toda a parte. Mais de cem pessoas telefonaram e confirmaram.
Vejam o que diz o General Orlando Geisel, de ordem do Marechal Odílio Denys, ao III Exército: “Deve o Comandante do III Exército impedir a ação que vem desenvolvendo o Governador Brizola”; “deve promover o deslocamento de tropas e outras medidas que tratam de restituir o respeito ao Exército”; “o III Exército deve agir com a máxima urgência e presteza”;
“Faça convergir contra Porto Alegre toda a tropa do Rio Grande do Sul que julgar conveniente”; “a Aeronáutica deve realizar o bombardeio, se for necessário”; “está a caminho do Rio Grande uma força-tarefa da Marinha de Guerra”, e “mande dizer qual o reforço de que precisa”. Diz mais o General Geisel: “Insisto que a gravidade da situação nacional decorre, ainda, da; situação do Rio Grande do Sul, por não terem, ainda, sido cumpridas as ordens enviadas para coibir ação do Governador Brizola”
“Povo de Porto Alegre, meus amigos do Rio Grande do Sul! Não desejo sacrificar ninguém, mas venham para a frente deste Palácio, numa demonstração de protesto contra essa loucura e esse desatino. Venham, e se eles quiserem cometer essa chacina, retirem-se, mas eu não me retirarei e aqui ficarei até o fim. Poderei ser esmagado. Poderei ser destruído. Poderei ser morto. Eu a minha esposa e muitos amigos civis e militares do Rio Grande do Sul. Não importa. Ficará o nosso protesto, lavando a honra desta Nação. Aqui resistiremos até o fim. A morte é melhor do que vida sem honra, sem dignidade e sem glória.
Aqui ficaremos até o fim. Podem atirar. Que decolem os jatos! Que atirem os armamentos que tiverem comprado à custa da fome e do sacrifício do povo! Joguem essas armas contra este povo. Já fomos dominados pelos trustes e monopólios norte-americanos. Estaremos aqui para morrer, se necessário. Um dia. nossos filhos e irmãos farão a independência do nosso povo! Um abraço, meu povo querido! Se não puder falar mais, será porque não me foi possível! Todos sabem o que estou fazendo! Adeus, meu Rio Grande querido! Pode ser este, realmente, o nosso adeus! Mas aqui estaremos para cumprir o nosso dever”.
É uma lástima saber que apesar desta grande mobilização popular, um “golpe branco” foi urdido pelo Congresso Nacional ao votar às pressas uma emenda constitucional que instalou o parlamentarismo no Brasil, retirando poderes do presidente Jango. Ainda mais, saber que mesmo após o restabelecimento do presidencialismo, em janeiro de 1963, João Goulart não pode terminar o seu mandato, pois, foi deposto em 1º de abril de 1964, pelas mesma forças que haviam tentado em 1961, instalando um longo período de sombras antidemocráticas.
Neste cinqüentenário da campanha da legalidade, façamos uma profunda reflexão acerca deste inesquecível momento histórico e todo o legado que nos deixaram Leonel Brizola, João Goulart e tantos outros heróis anônimos. Aprendamos com o passado para não repetir erros no presente!
Fábio Mariani