O Sublime Cântico do Amor
Chegamos ao final de mais um ano. Haverá espocar de foguetes durante todo o dia 31 de dezembro e a queima dos fogos de artifícios que certamente hão de encantar nossos olhos ao cruzarmos a meia-noite. Brindaremos com o generoso champanha ou com a mais singela e pura cachaça. Abraçar-nos-emos e dançaremos ao som do pagode, dos sertanejos ou, até mesmo, de uma doce e melodiosa valsa vienense. Festejaremos, sim, o fato de que nós, movidos pelo bem último, a Esperança, teremos a eterna capacidade de descer a montanha e, em nome do Amor, começar tudo outra vez.
Por esta razão, quem sabe, vem-me à remembrança o que, para mim, é o mais belo dos cânticos ao Amor, de autoria do Rei Salomão. O Cântico exprime a fama de sábio que o antigo rei conservou na tradição hebraica. Com este espírito condizem bem algumas conotações salomônicas da própria figura do amado.
O Cântico dos Cânticos é um cântico nupcial. Por aqui se pode ver a subtileza de sentimentos e emoções na relação amorosa, de que o homem oriental adquirira consciência e que formulava como uma dimensão transcendente da sua própria experiência humana. A sublimidade das vivências que integram a experiência do amor constitui, de imediato, e por si mesma, um importantíssimo conteúdo para a leitura do Cântico. Esta leitura está, no entanto, sobretudo marcada, desde sempre ou quase, por uma transposição de sentido que faz dele uma alegoria, em que o amado é Deus ou o Messias, novo Salomão, e a amada é Israel ou a Igreja, como nova comunidade de Israel.
Deste modo, o Cântico dos Cânticos transformou-se no principal veículo para exprimir uma antiga concepção bíblica da experiência religiosa, sobretudo como uma relação amorosa com Deus. Só muito tarde se permitiu considerá-lo naquilo que ele é: canto de admiração e de um grande amor entre uma mulher e um homem, onde o desejo e o corpo fazem parte do jogo de sedução e fruição.
É este o sentido natural do Cântico. E, porque não se teme enunciar o sentido das palavras, é que nos podemos abrir à revelação da presença guardada entre elas: a presença de Deus.
Ela: “Sua boca me cubra de beijos! São mais suaves que o vinho tuas carícias, e mais aromáticos que teus perfumes é teu nome, mais que perfume derramado; por isso as jovens de ti se enamoram.”
Ele: “Ah! Beija-me com os beijos de tua boca! Porque os teus amores são mais deliciosos que o vinho, e suave é a fragrância de teus perfumes; o teu nome é como um perfume derramado: Tuas carícias nos inebriarão mais que o vinho. Quanta razão há de te amar! Tuas faces são graciosas entre os brincos, e o teu pescoço entre os colares de pérolas.”
Ela: “Como é belo, meu amor! Como és encantador! Nosso leito é um leito verdejante.”