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Estou ficando caduco?

Minha mãe viveu até os 88 anos de idade, dos quais os cinco últimos como interna em Clínica Geriátrica. De muitas direções, flechas invisíveis, eivadas de críticas e censuras, partiram de amigos e parentes, tendo como alvo a dolorosa decisão e sem direito de escolha tomada por seus filhos. Na Clínica, criteriosamente escolhida ela teria – como de fato teve – os cuidados e o carinho de profissionais especializados para tanto, vez que se tornara totalmente dependente para todos os seus atos.

O que a levou a esse destino? A demência senil, ou, como todos conhecem, o Mal de Alzheimer.

Tanto a doença de Alzheimer, ou demência pré-senil, como a demência senil são perturbações mentais graves, de origem semelhante, que implicam uma decadência global e progressiva das funções intelectuais. A primeira desenvolve-se a partir dos cinquenta anos; a segunda apresenta-se depois dos setenta anos.

Conforme o ser humano envelhece, o risco de desenvolver a doença aumenta. Qualquer pessoa que por mais saudável física, mental e intelectualmente tenha sido também é passiva de adquiri-la. A idade e o histórico familiar são fatores de risco para o Alzheimer. Isso implica dizer que, mesmo este colunista, com toda a cotidiana atividade intelectual, não está isento de ser paciente deste indesejável mal. Contudo, desenvolvê-lo não é parte normal do envelhecimento.

Em ambos os casos – demência senil ou Mal de Alzheimer –, trata-se de uma perturbação neurológica degenerativa, progressiva e irreversível, que afeta geralmente as diversas regiões do encéfalo e determina uma atrofia cerebral global, com a perda de neurónios ativos e disfunções dos neurotransmissores. Poderia considerar-se que tal alteração é semelhante à ocasionada pelo processo de envelhecimento normal, mas é muito mais acentuada no caso da demência senil e muito mais precoce no caso da doença de Alzheimer. Considera-se que exista certa predisposição constitucional para sofrer desta doença e, de fato, nos últimos tempos foram identificados alguns genes que poderiam ser os responsáveis.

Lembro-me de que minha mãe, uma mulher que trabalhara e se aposentara por tempo de serviço, leitora incondicional dos editoriais de jornais e das colunas de Paulo Brossard, sobre as quais debatia com os filhos,  sentenciava: – O dia em que eu não mais puder contar comigo mesma para emitir um cheque e saber o que estou  assinado, arrumo minhas trouxinhas e me mudo de quarteirão (referindo-se a uma Clínica Geriátrica estabelecida na mesma rua em que ela residia).

Infelizmente, a realidade é outro; não nos apercebemos da sintomatologia. Pode-se dizer que se trata de doença “silenciosa”. Os sintomas e a evolução são muito variados, ainda que geralmente sejam de apresentação insidiosa e com uma evolução que pode levar anos. Os primeiros sintomas costumam corresponder a perturbações da memória, ao princípio, só de fatos recentes e, mais tarde, também de acontecimentos passados; isto pode provocar um estado de confusão e muitos inconvenientes.

A conduta do portador do Mal de Alzheimer – ou demente senil – passa a ser descabida, imponderável; no contraditório faltam-lhe  argumentos sólidos e sustentáveis; o paciente passa, intransigentemente, a entender como “inédito” e irrefutável seu “discurso” ultrapassado e fora do contexto, defendendo-o com raivos aranzel; repete-se à exaustão, até mesmo na escrita, no que recém acabara de dizer ou grafar.

Silenciar ou castrar essas “ideias” seria crueldade.

A humanidade, não obstante,  como criança perversa que é, não hesitará em apregoar:

– O coroa está esclerosado! Não liga, não, a velhinha está caduca. Coitadinha!

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