Ausência
Compreendi os atos dos políticos em todas as instâncias, compreendi as viagens de deputados em jatinhos de doleiros. Compreendi as relutâncias dos condenados do mensalão em aceitarem suas penas e a serem encarcerados. Compreendi o que levou o Conselho de Administração da Petrobrás a validar a intenção de compra da Petrolífera de Passadena. Compreendi o que foi feito com a educação, com a segurança e com a saúde de meu país.
Compreendi os volumes financeiros vultosos aplicados na copa do mundo do Brasil. Compreendi, porque vi que os agentes de cada um destes atos tinham um interesse pessoal ou de seus grupos para que os seus atos fossem consolidados e os resultados obtidos, independente dos resultados nefastos que pudessem advir para a nação. Compreendi que temos uma Guerra civil no Rio de Janeiro e que pelas mesmas causas, existem guerras civis em Porto Alegre, Maranhão, São Paulo e em muitos outros Estados do Brasil.
Os números de mortes diárias por assassinato no território nacional, são superiores aos de países que se encontram em conflitos declarados. Nas nossas guerras, quando um guerreiro cai ferido de morte, aparecem dois para substituí-lo com mais vigor e com mais ódio, o que nos remete para um confronto sem fim. Mas tudo isto eu compreendi. Só não compreendi meus amigos e acho que nunca vou compreender, a razão ou as razões por que três adultos, se mancomunarem para matarem o Bernardo!!! E o pior é que dois destes adultos tinham laços sangüíneos e afetivos, como Bernardo. Acho que nunca vou compreender…
E me parece que a qualquer momento vamos acordar do sonho dantesco e descobrir que tudo era brincadeira e que o Bernardo vai aparecer sorrindo no portão de sua escola, na entrada da igreja ou na casa de algum amigo. Que bom que assim fosse, mas não é…
E por ser verdade se materializa como um crime singular e dotado de uma dose de crueldade que não encontra similar nos casos da espécie. Os três não mataram somente o corpo do Bernardo, mas mataram a suas possibilidades futuras como ser humano, mataram os sonhos das peladas de futebol, aos fins de tarde, mataram a primeira comunhão, mataram os momentos de fazer os temas de casa, mataram ansiedade de saber a nota da prova, o olhar da primeira namorada, mataram o temor, angustia e satisfação do primeiro beijo roubado no escurinho do cinema e as mãos suadas, de nervosismo, durante a primeira dança, ao som da sua banda preferida, mataram a conversa com amigos, sentados no meio fio da calçada, mataram a alegria de passar no vestibular, mataram, com certeza, um futuro profissional competente e sério no desempenho de suas atividades…
Em fim mataram uma perspectiva de vida que poderia dar certo ou não, mas que ninguém tinha o direito de impedir que ela fosse exercitada minuto a minuto, hora a hora, dia a dia, mês a mês e ano a ano. Por este rol de crimes premeditados e continuados ele não podem ficar impunes. Mas, se por um destes descalabros que acontecem no desenrolar dos processos, eles escaparem das penas dos homens, com certeza não escaparão da punição de suas consciências que não haverão de dar-lhes trégua estejam eles onde estiverem, pois que poderão fugir das mãos da lei mas não poderão fugir de seus julgamentos pessoais quando no silencio de suas almas se derem conta da monstruosidade desumana que se reveste o ato que praticaram.