Colunistas

A grande paixão

A rua comprida parada e deserta. O silêncio é cortado por uma buzina solitária ao longe. Bares vazios, lojas fechadas. Alguns retardatários andam apressados, procuram algum aparelho de TV antes do jogo iniciar.

Na sala enfeitada de bandeiras verde amarelo e uma grande bandeira do Brasil tremulando na janela. Fotos dos jogadores da seleção espalhados por todos os lados. Não poderia faltar a bandeira do Inter.

Rafael sentado na poltrona lê as últimas notícias esportivas no jornal. A televisão digital, tela plana que o filho comprou para verem os jogos da copa está em prontidão. Larga o jornal sobre os joelhos e transporta-se para a infância. Revolve no baú da memória seu grande sonho de menino de bairro. Seu grande sonho: ser um grande jogador de futebol. Como todo o brasileirinho deseja transformar-se num craque famoso, jogar nos grandes times. Sempre levou jeito para lidar com a bola. Nas peladas no campinho próximo de sua casa, era o melhor goleiro. Bom no ataque como era conhecido, foi respeitado pela fama de grande jogador na escola. Dona Marialva, a professora, abraçava-o, dizendo para o pai: ”este menino leva jeito no futebol. Terá futuro garantido.”

O pai estufava o peito, com um sorriso rasgado e confirmava: “menino danado está se descuidando dos estudos. Só se preocupa com a bola.” Relembra com emoção as copas do mundo. Olho na TV, ouvido pregado no rádio, suando frio com o coração aos saltos, não perdia partida. Em 1958 na Suécia o Brasil campeão. Em 62 o Bi no Chile. Em 70 o Tri com a consagração do Rei Pelé. O sofrimento e a decepção com os insucessos de 74 e 78. A alegria, a euforia e o entusiasmo recuperados com o Tetra campeão e Romário consagrado. O Internacional muito cedo entrou em sua vida. Um pouco influenciado pelo pai tornou-se um fanático colorado. Verifica com tristeza e desapontamento que os jogadores milionários, já não exibem a capacidade de drible de um Garrincha, nem o carisma do Pelé. O Brasil é o país do futebol. Pensa: todo brasileiro tem o samba no sangue e a bola no pé. O futebol, paixão de nossa gente aliena e amordaça as consciências. Transformou-se no “ópio do povo”.

O mundo mudou, o futebol mudou. Já não há espetáculo, a graça, o encantamento. Tornou-se muito profissional. Agora que a Copa do Mundo vai acontecer no Brasil muitos estão contra a sua realização. Já fizeram passeatas, protestos, arruaças contra a Copa e prometem repetir estes protestos durante a sua realização. Por quê? Os brasileiros não são fanáticos por futebol? O Brsil não é mais o país do futebol?

A entrada do neto na sala com uma tigela de pipocas na mão interrompe seus pensamentos:

“Vô liga a televisão”. “O jogo vai começar”. ”Rápido” insiste o menino aflito. ”Não quero perder o jogo do Inter.”

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