A interpretação dos sonhos – Sergio Agra

Sergio Agra

“O falso é às vezes a verdade de cabeça para baixo.”

Sigmund Freud

Em 2010 adquiri o exemplar comemorativo aos 100 anos da publicação da primeira edição de “A INTERPRETAÇÃO DOS SONHOS”, de Sigmund Freud. Mais curioso do que propriamente leitor compulsivo joguei-me durante meses à exaustiva leitura da obra.

No livro Freud afirma que os sonhos são a realização de um desejo. Esses desejos ficam, então, recalcados ou reprimidos e vêm à tona quando sonhamos. Isso porque quando dormimos nossa mente relaxa e que o inconsciente tem maior autonomia em relação ao nosso consciente.

A teoria criada por Freud a respeito dos sonhos ainda atrai muitos estudiosos de várias áreas do conhecimento humano. O universo misterioso e rico dos sonhos pode revelar mais sobre nós do que podemos imaginar.

Já para a psicanálise moderna o sonho é uma válvula de escape aos nossos desejos mais recônditos, mais secretos. Desejos que a nossa consciência julga como proibidos de serem realizados.

Para Freud, os sonhos são o principal caminho para conhecermos os aspectos e características de nossa vida psíquica. Ele viu que o inconsciente se manifestava nos sonhos por meio das memórias da infância. Eleconcluiu que o inconsciente do adulto era formado pela criança ainda presente dentro de cada indivíduo e viu que isso ocorria independente de sua idade.

De sonhos recorrentes, como o de “pilotar um avião que, de repente, se encontrava não mais na pista de um aeródromo, mas em plena via pública urbana onde a percorria sem lograr a decolagem”, ou “no meio de uma reunião social me apresentar apenas em cuecas”, muitos foram por mim interpretados com o auxílio da obra de Freud.

Antes das teorias de Freud, os sonhos eram, geralmente, interpretados como premonições ou como meros símbolos. Após sonho passou a ter outra interpretação. Sendo ele visto como características ou reflexos de nosso inconsciente.

Será mesmo?

Após eu interpretar os símbolos de um sonho recorrente este veio a realizar-se deixando em mim indeléveis traumas. Jamais o revelei para ninguém! Abandonei aquelas incursões dedutivas.

Por isso deixo à mercê dos seis caridosos amigos e leitores que ainda me são fieis a análise dessa inusitada, bizarra fantasia que tive na madrugado de completar o meu aniversário.

Seguíamos os três — o conhecido escritor e professor de literatura A.B., meu confrade de letra A.F. e eu — para o sítio do mestre às margens da Lagoa dos Patos. Naquele fim de semana faríamos uma intensiva oficina de criação liteária. Em meio à estrada de chão batido assistimos o atropelamento de uma gaivota por um motociclista que sequer dignou-se a olhar para trás e ver o que ele havia causado. Era uma fêmea. Ao seu lado um pesaroso e monogâmico macho — nesta espécie a fidelidade é perene. Desembarcamos. Apanhei no portamalas do carro uma caixa de tamanho o suficiente para acomodar o “cadáver” da desditosa ave. Cavamos entre os arbustos que ladeavam a estrada uma pequena cova onde, com pompas e circunstâncias, enterramos a “vítima”.

Findo o “ato fúnebre” retornamos ao automóvel e, para surpresa nossa, o enlutado macho, taciturno e cabisbaixo, acomodara-se no banco traseiro. A mesma postura ele conservou durante horas no sítio. Já estávamos nos acostumando com sua excêntrica presença quando a ave pôs se a grasnar em desespero e voar em círculos pela sala onde nos encontrávamos. O crocitar e o voo desesperador perduraram por longo tempo. Gritei aos companheiros que, quem sabe, ele desejasse por alguma inimaginável razão voltar ao “túmulo” da falecida. Meus parceiros olharam-me como a um dos internos de Freud no Hospital Geral de Viena. Acataram a bizarra sugestão.

Ao chegarmos ao local o macho pôs-se a esgaravatar o montículo de terra. Dali, retiramos a caixa de onde ressuscitou a vítima do atropelamento. O arrulho do casal agora era de alegria.

O surpreendente: mesmo com a robustez de seus bicos as aves acariciavam-me as faces e os cabelos sem me causarem dano ou aflição. Gratidão?

Não! Decididamente não vou interpretar este sonho, mesmo porque, neste exato momento, são 3h23min de sábado, 28 de agosto.

Alguém se habilita?

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