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A polêmica questão das cotas

COTAS
Uma lei estadual de 2003 obrigou a UERJ a reservar um número específico de vagas para negros na universidade, ou seja, estipulou cotas para os indivíduos de origem negra, os chamados afro-descendentes. Desde então isso tem gerado polêmica, principalmente nas universidades depois que a lei passou a ser nacional.

Há alguns dias atrás o assunto foi tema de um trabalho de Antropologia que eu e alguns colegas realizamos na Faculdade. Longe de querer chegar a uma conclusão a respeito do tema trago aqui apenas uma amostra da discussão realizada sobre o assunto. Corro o risco de entrar em uma grande polêmica, mas acho válido pelo debate, pelos esclarecimentos e novas opiniões que surgem dela.

DADOS ESTÁTÍSTICOS: UM LADO DA QUESTÃO
Os negros representam 45% da população brasileira. Estão entre os 64% da população pobre, e entre os 69% dos indigentes.
Os negros trabalham mais, ganham menos e são os que mais sofrem com o desemprego.

Na região metropolitana de Porto Alegre, por exemplo, os negros ganham cerca de 30% menos do que o trabalhador branco. Além disso, apenas 2% dos negros conseguem ingressar na universidade contra 11% da população branca.

A JUSTIFICATIVA
A principal justificativa da lei é baseada no resgate, e no pagamento, de “uma dívida” do país com a população de origem africana, ou seja uma questão social ligada a uma questão racial.

Mas como definir uma “raça” e no que se baseia a lei ao definir um indivíduo como negro ou branco?

O DEBATE I
Os que defendem uma posição mais científica da questão alegam não haver uma raça negra, mas um grupo negróide dentro do “Homo sapiens sapiens”, nome cientifico de todo homem a ocupar o globo terrestre (ou seja, a espécie humana). Há ainda o grupo caucasiano (composto da população branca) e o amarelo (composto por ameríndios, asiáticos e polinésios). Essa própria divisão entre grupos distintos e desiguais criou idéias racistas, a qual são atribuídas principalmente a Gobineau.

É preciso dizer também, sem entrar em detalhes, que essa denominação genérica de “raça” surgiu na Europa no final do século XVIII e foi reforçado com “pressupostos científicos” no século XIX, como elemento social para a compreensão das idéias evolucionistas de Darwin e Spencer.

O Brasil em especial tem uma diversidade muito grande desses grupos. São raros os indivíduos componentes da população brasileira que não tenham entre seus ancestrais indivíduos desses 3 grandes grupos. Mesmo a população branca, descendentes dos colonizadores europeus, tem em seu DNA, por vezes, o sangue do ameríndio e do negro. Eu sou um exemplo disso.

Seria possível, e justo, então em um país como o Brasil, com uma “pluralidade racial” tão diversificada, conceder a um grupo determinado tal “beneficio”?

O DEBATE II
Não estamos levando aqui em consideração a questão do racismo, no sentido do preconceito, inegavelmente existente e latente no Brasil assim como nos Estados Unidos e na África do Sul exemplos de países aonde o racismo chegou a extremos em sociedades contemporâneas.

A questão aqui, lembremos novamente disso, está em se é possível sustentar uma lei baseada em um conceito de raça como “divisão” de um grupo humano.

Um interessante estudo sobre o racismo, como conceito de divisão dos grupos humanos à moda Gobineau, na Europa e nos EUA realizado pelo historiador e antropólogo inglês Nicholas Goodrick-Clarke apontou que a criação de mecanismos legais criados por um país moderno geram mais atritos sociais do que a solução do problema, principalmente porque é o conceito de “dividir” o Homo sapiens sapiens em ariano (branco; expressão popularizada pelo Nazismo), negro, latino ou índio, o princípio, ou um dos meios, do discurso preconceituoso e racista.

DEBATE III
Se traçarmos um “quadro genealógico” do homem veremos que seus avos estão na África, continente que as fontes mais importantes da paleoantropologia moderna indicam como o berço da “raça humana”. Por esse viés veremos que há um ancestral em comum a todos os grupos, ou povos, humanos e que o conceito da superioridade de uns sobre os outros é idéia ultrapassada. Podemos, no máximo, nos referir as diferentes fases de evolução, ou transformação, de cada grupo.

Baseados nesse conceito de raça, por exemplo, como definiríamos o filho de um casal onde um individuo é negro e o outro branco?
E vejamos quão complexo se torna a questão: tendo no DNA os dois grupos humanos (negróide e caucasiano) ele recebe que tipo de informação cultural, aquela referente ao negro ou ao branco?
 
Mais um complicador: há também o índio, que miscigenado com o branco europeu gera o que no Brasil até a pouco era denominado “mameluco”, e com o próprio negro que gera o que conhecíamos como “cafuzo”. Qualquer pesquisador mais atento pode perceber que após duas gerações esse conceito de raça desaparece entre esses indivíduos mesmo que alguns mantenham características marcantes de um ou outro grupo.

HÁ SOLUÇÃO?
É preciso dizer antes de encerrarmos que é inegável que o Brasil deve ao trabalho do negro, assim como ao trabalho do europeu “colonizador”, a maior parte do seu poderio econômico. Qualquer pessoa interessada em conhecer, e estudar, a força motriz do Brasil Colonial (1500-1822) e Imperial (1822-1889) encontrará no braço do escravo negro o sustentáculo da engrenagem que movia o país. É verdade também que a custa de muito sofrimento.

Bom, depois de tentarmos expor algumas “idéias raciais” fica mais claro, ou ao menos essa foi minha idéia, de que a questão a respeito das leis de cotas poderia estar melhor encaixada em um contexto social. Ou seja, serem beneficiados (com resgate, pagamento de dívidas ou outro termo qualquer) aqueles mais pobres e economicamente mais fragilizados a exemplo do que já ocorre no Pro-Uni. Desse modo me parece que a população negra seria também atingida sem que para isso se crie a divisão racial de uma população heterogênea como a nossa.

Estejam à vontade para debater.

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